Folha de S. Paulo


Sabores familiares na África do Sul

Nos arredores da Cidade do Cabo, recortados por montanhas rochosas e refrescados pela brisa constante que sopra do Atlântico, são feitos os melhores vinhos da África. Impressionou-me, nessa minha primeira visita, ainda mais do que a vasta quantidade de visitantes nas vinícolas, o quão não-africano tudo parecia. Certos bulevares de Stellenbosch (cidadezinha que é o coração da zona vitivinífera), com mansões detrás de portões rosados e jardins manicurados, lembraram-me bairros ricos do sul da Flórida. Certas paisagens –deslumbrante colagem de mar, vegetação ressecada e rasteira e montanha– fizeram-me sentir que estava na Califórnia. Turistas –quantos turistas!– enchiam os terraços ensolarados de pubs e bistrôs com jeitão americano.

Em Morgenster, uma das melhores vinícolas, bebi um vinho (da uva sangiovese) feito à moda toscana e comi um belo espaguete ao pesto. Na Peter Falke, igualmente linda, ornada com primaveras, ciprestes e vasto roseiral, provei, acompanhados de salame italiano, um syrah e um pinot noir que, se me fossem dados às cegas, teria suposto que vinham do vale do Napa, na Califórnia. Na vinícola Vergelegen, degustei chardonnays e sauvignon blancs também parecidos com os tipicamente californianos ou australianos - o primeiro bem amadeirado, o segundo, super herbáceo. Seu restaurante, um dos mais elegantes do pedaço –tem no menu atum bluefin com maçã e raiz forte, pato com beterraba, e tartare de carne com gorgonzola. Nem sinal de algum prato regional.

É sabido que a maioria dos vinhos do chamado Novo Mundo –principalmente Chile, Argentina, Califórnia, África do Sul e Austrália– é vinificada de maneira similar, superextraindo as uvas e potencializando os aromas criados durante o envelhecimento em toneis de madeira. Parecem-se demais entre si em sua obviedade unidimensional. Encantei-me com exceções louváveis, como os tintos à bordalesa das vinícolas Morgenster e Miles Mossop, por exemplo –que unem elegância francesa e complexidade de aromas– mas no geral não encontrei nada único ou nitidamente sul-africano, no copo ou à mesa. Michael Fridjhon, o mais importante crítico de vinhos do país, diz que se algo diferencia os vinhos locais de seus similares de outras regiões do Novo Mundo é que "tendem a ser mais clássicos, mais europeus em estilo".

A pinotage, única uva que pode ser considerada exclusiva da região, é na verdade um cruzamento, feito em 1925, de duas cepas francesas. Menos expressiva do que as também francesas syrah, cabernet franc e cabernet sauvignon, dá vinhos geralmente desinteressantes e às vezes até desagradáveis. Nem os leões e tigres em exibição na vinícola Vredenheim vinham mesmo daquela zona: os primeiros extinguiram-se na região há tempos, e os segundos são mais indianos do que africanos.

Eis o lado triste da globalização: quem busca autenticidade quando viaja para comer e beber fica a ver navios. Cada vez mais, restaurantes, bistrôs, bares e vinícolas têm menu, décor e trilha sonora quase iguais, estejam eles em Bento Gonçalves, Mendoza, Napa ou... na Cidade do Cabo. Isso tira muito da graça que há em viajar e faz um mundo homogêneo demais. Em uma semana de sonho percorrendo a rota do vinho do Cabo, refestelei-me com suflês de gruyère, massas à italiana, tintos de estilo bordalês e chardonnays untuosos. Mas parti da África do Sul sentindo não a ter sequer conhecido.


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