Folha de S. Paulo


Os terroristas e o três-estrelas

Eu estava no sexto prato de um menu de 12 serviços (!) no Hof Van Cleve, um restaurante com três estrelas "Michelin" na Bélgica, quando terroristas começaram a matar gente na casa de shows Bataclan, em Paris.

À mesa, vi pelo Facebook o pedido de socorro de um francês que estava lá dentro cercado de corpos e sangue. Foi duro engolir a sobremesa.

Nunca meus mundos haviam se chocado com tanta violência. Dentro, o paraíso engomado e silencioso de taças de cristal e comida que formava lindos desenhos, servida por jovens eretos e sorridentes. Fora, a vida corria louca, ruidosa e doída, especialmente para aqueles infelizes em Paris que dariam tudo para estar no meu lugar ou em paraíso similar.

Como postar meu pombo selvagem no Instagram? Impossível. Naquela noite digeri os 15 pratos e as mortes em silêncio atordoado.

Me veio à cabeça o nhe-nhe-nhem da gente que questiona minha paixão por restaurantes estrelados e -indo mais longe- o porquê de ainda existirem restaurantes caros
e formais com as tais estrelas "Michelin". Culpa por estar vivendo aquele momento enquanto tantos morriam tão perto.

Logo ligaram o terror a suspeitos belgas e, hoje, Bruxelas, em estado de alerta, virou a capital europeia do inimigo. Pois saí do estupor ainda mais certa da importância para a Bélgica e a França dos restaurantes do quilate do Hof van Cleve.

Alta gastronomia é peça essencial do motor turístico de qualquer país. Como a alta costura, custa caro e é para poucos, mas movimenta e molda o que vem abaixo dela, de bistrôs a cafés, de restaurantes autorais a pop-ups. Ajuda a construir a imagem de um país -o Peru está aí como o melhor exemplo disso.

A França e a Bélgica tomaram duro golpe com a debandada dos turistas. Espero que os peregrinos comilões voltem. Que gastem seus euros e façam a economia girar -seja no três-estrelas "Michelin", seja na melhor barraca de batatas fritas de Bruxelas (anotem: chama-se Frit Flagey), dando, assim, uma banana para os terroristas.


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