Folha de S. Paulo


Do fogão à lareira

O fogo nunca esteve tão em alta. Sem dúvida, o estrondoso sucesso da série Chef's Table, lançada em 2014 no Netflix, colaborou para isso, porque um dos seis episódios conta a história do "rei dos fogos", o chef argentino Francis Mallmann. Ele abandonou a alta gastronomia clássica a certo ponto da carreira para voltar a cozinhar ao ar livre, sobre brasas e fogueiras, como fazia na infância, na Patagônia.

Mallmann, celebridade global, difunde e defende essa cozinha mais rústica e mais ligada aos tempos primordiais tanto em seus programas de TV quanto em livros publicados em diversas línguas. Em novembro irá inaugurar o Fuegos, restaurante de frente para o mar em Miami que, como indica o nome, focará em comidas grelhadas no terraço.

Há pouco provei o menu-degustação de 20 pratos no Blanca, um dois-estrelas "Michelin" em Nova York. Os melhores pratos da noite foram feitos na brasa. Sentada no balcão com vista para a cozinha, assisti os chefs mantendo vivas as brasas em uma churrasqueira portátil, e depois trazendo-as com pinças para a área de preparo, uma a uma. Simplesmente fenomenais os resultados: lula grelhada com gergelim e limão, bife maturados no ponto perfeito... A massa de pizza que serviram com manteiga, repleta de bolhas pretejadas causadas pelo forno à lenha, foi dos melhores bocados do ano. Ao longo do jantar, ouviam-se as brasas estralando e um leve aroma de fogo permeava o ambiente.

Estes dias entrevistei em Módena o chef Massimo Bottura, cuja Osteria Francescana está entre os melhores restaurantes do mundo. Falamos, entre outras coisas, do restaurante Saison, em San Francisco. Ele é fã. Ontem, outro chef importante, o dinamarquês Bo Bech, dono do Geist, em Copenhague, que come frequentemente em lugares pluriestrelados, rasgou elogios no Instagram ao mesmo Saison. Legendou uma foto com "não dá para ser melhor". Outra, de um sorvete defumado com cacau tostado no fogo, descreveu assim: "te leva a outro hemisfério". Perguntei se a ele trata-se do restaurante mais interessante, hoje, nos Estados Unidos e ele nem titubeou ao responder: "Sim!"

Qual é a marca registrada do Saison? O fogo! Inaugurado em 2009, já conquistou o maior prêmio que existe: as três estrelas no guia "Michelin" –e em boa parte pelo uso magistral de uma grande lareira, que é peça central da cozinha. Criado perto do mato, em Jacksonville, na Flórida, o chef-proprietário Joshua Skenes cresceu embrenhado na natureza e acostumado com fogueiras. "Comer matinhos e berries quando você é criança te faz apreciar o gosto puro da natureza como ele é, no Saison eu abaixo o volume dos temperos, faço comidas puras e honestas", diz. Quase tudo, usando o fogo, seja para assar, desidratar, grelhar ou até para tostar a pele de peixes ("tatuando-a" com uma brasa ardente).

Não há hoje lugar que mais me atraia: é o primeiro na minha lista do tem-que-ver. O Saison dá às brasas e chamas a maior importância, como fazem dois de meus restaurantes favoritos no mundo: o Fäviken, na Suécia, e o Etxebarri, no País Basco. E pelo que ouço, sem cair na armadilha de servir um menu com sabor de defumado de cabo a rabo (saber dosar é primordial e requer muita técnica e talento). Eis uma moda que não deveria jamais ter saído de moda...


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