Folha de S. Paulo


Do lixo ao luxo

Hambúrguer de bagaço de fruta. Cartilagem de arraia frita. Retalhos de massa com molho de fígado de tamboril e cabeças de peixe defumadas. A descrição dos pratos servidos no WastED, um pop-up que ocupou em março o restaurante Blue Hill, em Nova York, não dá água na boca –e de propósito!

Dan Barber, o chef-proprietário, quis chocar –e educar, daí o ED– ao criar um menu estrelando descartes. "Nossos gostos têm que mudar", afirma ele, que denuncia as quantidades obscenas de comida desperdiçada diariamente nos Estados Unidos.

O WastED foi notícia em toda parte, inclusive no "New York Times", segundo o qual "133 bilhões de libras de comida disponível aos consumidores vão para o lixo anualmente". Pete Wells, o crítico do jornal, adorou o jantar feito de restos. Admirável, considerando que ingredientes incluíam legumes machu- cados, pão adormecido, aparas de carne e folhas de cenoura.

Essa foi a mais audaz e divulgada iniciativa antidesperdício no mundo gastronômico até hoje. Será sucedida por outra de proporção ainda maior: um pop-up do famoso chef italiano Massimo Bottura que servirá para pobres e estudantes pratos feitos de descarte, durante a Expo de Milão.

Mas há outros cozinheiros trilhando esse caminho em menores medidas. Alguns fazem composto de seus restos orgânicos, como Matt Orlando, do Amass, em Copenhague. E muitos andam introduzindo peles e ossos de bichos, caules e cascas em receitas.

A sobremesa que mais reaparece no meu feed do Instagram é do Cosme, badalado restaurante mexicano em Nova York: musse de milho com merengue de casca de milho. O espanhol Joan Roca faz consommé de cascas de cebola. Peles de peixe andam aparecendo em vários menus, inclusive fritas e parecendo torresmo.

Mas há que se convir que é mera gota no oceano. Palmas aos chefs, e que o recado seja ouvido em alto e bom tom. Mas só quando hospitais, refeitórios, prisões, escolas etc. seguirem seu exemplo a maré do desperdício tem chance de virar.


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