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Fapesp processa cientista para reaver bolsa de R$ 334 mil para pesquisa

Zanone Fraissat/Folhapress
Fachada do prédio da Fapesp, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Fachada do prédio da Fapesp, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), um dos principais órgãos de fomento à ciência no país, abriu um processo na Justiça estadual para tentar reaver R$ 334 mil destinados a uma cientista para realizar um projeto de pesquisa sobre diabetes.

A fundação não divulga detalhes sobre o motivo da ação, mas afirma que houve "uso indevido" do valor, destinado a uma bolsa de estudos de um projeto Jovem Pesquisador, um dos mais prestigiosos da agência para cientistas em início de carreira.

Má conduta científica

O alvo do processo é Paty Karoll Picardi, pesquisadora que hoje trabalha na Universidade do Estado do Amazonas. Seu projeto, que envolvia o estudo de detalhes moleculares do processo de resistência à insulina (problema que está na origem da diabetes) em animais, foi realizado de 2011 a 2013 na Faculdade de Medicina de Jundiaí (interior paulista).

Por orientação de seu advogado, ela disse à Folha que não comentaria o caso.

RETRATAÇÕES

A existência do processo foi revelada originalmente pelo blog internacional "Retraction Watch", que cobre situações de possível má conduta científica, em especial as chamadas "retractions" ou retratações. Denúncias anônimas sobre o tema também foram encaminhadas à Folha por e-mail.

Ocorre uma "retraction" quando um estudo científico, já devidamente divulgado numa publicação especializada, acaba sendo "despublicado" mais tarde.

Isso pode acontecer por erros sérios que invalidam os resultados da pesquisa, ainda que eles tenham sido cometidos de boa fé; quando se descobre que houve plágio no texto (trechos copiados de estudos de outros autores, por exemplo); ou, na modalidade mais grave, quando houve fraude do conteúdo do estudo (resultados inventados ou manipulados).

Picaretagem acadêmica

A reportagem do "Retraction Watch" lembrou que Picardi havia sido orientanda de mestrado e doutorado do médico Mário José Saad, pesquisador da Unicamp que teve um total de 14 artigos científicos retratados nos últimos anos, dois dos quais têm a cientista processada entre os coautores.

A maioria dessas retratações estão ligadas a problemas em imagens dos artigos científicos (imagens duplicadas, por exemplo), embora uma delas, com diversos coautores, tenha se dado por plágio de texto (trechos copiados de outros artigos sem a devida atribuição aos autores originais).

Por telefone, Saad disse à Folha que os problemas não surgiram por tentativa de manipular resultados, mas por erros editoriais. "A gente lida com centenas de imagens, às vezes, então esse tipo de troca acaba ocorrendo. Seria fácil resolver isso com a publicação de uma errata, mas as revistas insistiram em retratar os artigos", afirma.

Ele acrescentou que apurações internas da Unicamp mostraram que não houve má conduta de sua parte na maioria dos casos.

Para Saad, desafetos estão tentando prejudicá-lo com as denúncias.

Em nota oficial, a assessoria de imprensa da Unicamp confirmou que há "um processo administrativo interno para investigar as alegações" e que não tomará medidas disciplinares até a conclusão do processo.

A Faculdade de Medicina de Jundiaí informou que Paty Picardi trabalhou como "colaboradora voluntária" na instituição durante o período de sua bolsa Jovem Pesquisador, a pedido da Unicamp, e que não tem mais vínculo com a entidade.


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