Folha de S. Paulo


Arqueólogos encontram imagens mais antigas de cão domesticado

Dois sítios arqueológicos da Arábia Saudita abrigam intrigantes gravuras rupestres que são, possivelmente, as mais antigas imagens de cães domésticos da Terra –e também os primeiros registros do uso de coleiras e da parceria entre homens e cachorros para caçar animais selvagens.

Um estudo detalhado sobre as gravuras acaba de ser publicado na revista científica "Journal of Anthropological Archaeology".

Maria Guagnin e Angela Perri, pesquisadoras do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista (ambos na Alemanha), estimam que os desenhos tenham sido feitos na rocha entre 9.000 e 8.000 anos atrás.

"Ossos de antigos cães nem de longe são capazes de contar o que essas imagens contam", declarou Perri à revista "Science". "É a coisa mais próxima de um vídeo do YouTube daquela época."

Quando as gravuras rupestres foram feitas, durante os primeiros milênios do Holoceno (fase da história geológica da Terra na qual ainda estamos), o interior saudita era consideravelmente mais úmido do que hoje, com cobertura vegetal relativamente luxuriante.

Assim, no oásis de Jubbah havia um conjunto de lagos permanentes, que chegaram a permitir o estabelecimento de rebanhos bovinos. Já em Shuwaymis, o outro local estudado, havia rios temporários que, durante a estação chuvosa, eram margeados por boas pastagens. Existe uma distância de cerca de 200 km entre os sítios, ambos localizados no noroeste da Arábia Saudita.

Editoria de arte/Folhapress

CENAS NA PEDRA

Ao longo da última década, os pesquisadores do Max Planck, com o apoio do reino árabe, passaram a catalogar cuidadosamente milhares de gravuras rupestres que existem em Jubbah e Shuwaymis.

Perceberam que existe uma progressão relativamente clara entre cenas anteriores ao Neolítico –ou seja, à época da pré-história em que surgiu a agricultura e a criação de animais– e imagens que passam a retratar a vida pastoril do Neolítico em diante, a qual ainda caracterizava, grosso modo, os árabes dos tempos do profeta Maomé, no século 7º d.C.

Ora, quase 150 representações de cães estão associadas à arte produzida no período anterior ao Neolítico –daí a idade estimada para os desenhos, embora não seja possível aumentar a precisão da datação, ao menos por enquanto. Acredita-se que a transição para um modo de vida pastoril na área tenha ocorrido entre 8.000 e 7.000 anos atrás.

Antes disso, os moradores do atual território saudita eram caçadores-coletores e, pelo que as gravuras indicam, iam à caça com a ajuda de matilhas de cães.

Diversas imagens retratam linhas estilizadas que saem do pescoço dos bichos e estão presas à cintura das figuras humanas (daí a inferência dos pesquisadores de que são coleiras, embora outros cães nas gravuras estejam soltos).

Os cachorros desenhados aparentam ter porte médio, orelhas pequenas e eretas, focinho curto e uma cauda que se curva para a frente, características que ainda são encontradas em raças antigas típicas do Oriente Médio, como o cão de Canaã.

As presas cercadas pela parceria humano-canina também aparecem nos pré-históricos painéis de pedra: equinos (provavelmente asnos selvagens), retratados com suas crias; gazelas, cabras selvagens e até um leão.

Para as pesquisadoras, a disposição das imagens permite até especular a respeito das técnicas de caça empregadas pelos antigos moradores da região. Os desenhos mostram o uso do arco e flecha para abater a presa; além disso, os cães amarrados à cintura dos caçadores poderiam ser farejadores que ajudavam a localizar e encurralar os animais selvagens, enquanto outros eram lançados na direção das gazelas e cabras para finalizar o abate.

cão doméstico

DOMESTICAÇÃO

Ainda existe um vívido debate sobre a época e os motivos da domesticação original dos cães.

Está claro que eles foram os primeiros animais a se tornar íntimos do ser humano, e dados genéticos sugerem que isso teria ocorrido pela primeira vez há uns 15 mil anos -mas há quem ache que isso se deu uma única vez, talvez no Extremo Oriente, enquanto outros pesquisadores falam em múltiplas domesticações independentes em regiões da Europa e da Ásia.

Algumas hipóteses sobre a domesticação dos cães postulam que indivíduos mais dóceis se aproximaram dos lixões que havia em volta dos acampamentos humanos para comer restos de comida e acabaram sendo adotados por membros da nossa espécie.

Mas também é bastante possível que a aliança tenha surgido como forma de intensificar o poder de caça humano, cenário que pode ganhar mais peso com as descobertas na Arábia Saudita.

Aparência

As representações encontradas nas pedras se assemelham aos atuais cães do Oriente Médio, especialmente aos da raça Canaã. Apresentam orelha recortada, tórax inclinado e cauda em curva.

Técnicas de caça

Os caçadores usavam arco e flecha e contavam com o apoio de cães, alguns presos com coleira à sua cintura e os demais soltos

Editoria de arte/Folhapress

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