Folha de S. Paulo


Gatos líquidos, pênis feminino e orelha de idosos; veja quem levou o Ig Nobel

Dois estudos brasileiros estão entre os dez premiados deste ano pelo cobiçado (ok, talvez nem tanto) prêmio Ig Nobel. A láurea é oferecida pela revista "Annals of Improbable Research" e os vencedores recebem uma cédula de dez trilhões de dólares –do Zimbábue, de valor ínfimo. A premiação aconteceu na noite desta quarta, na cidade de Cambridge, em Massachusetts (EUA).

Uma das pesquisas nacionais premiadas foi a do pesquisador Rodrigo Ferreira, da Universidade Federal de Lavras, que ganhou na categoria biologia. Ele com colegas da Suíça e do Japão descreveram, pela primeira vez, a "reversão sexual" em insetos cavernícolas –trocando em miúdos, a fêmea apresenta uma espécie de pênis e o macho possui uma cavidade.

Para conseguir demonstrar para o mundo que aquilo era verdade, Ferreira e colegas tiveram que caçar os insetos e pegá-los no flagra, enquanto cruzavam. Só assim a biomecânica do ato sexual dos insetos pôde ser elucidada.

"Apesar do tom satírico do prêmio, ele é bem-vindo porque prolonga a vida do trabalho científico, que muitas vezes, depois de dois anos, já cai em uma espécie de esquecimento", diz o entomólogo.

Outra pesquisa brasileira que recebeu o prêmio foi a de três pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, que mostrou que morcegos-vampiros-de-pernas-peludas, além de se alimentarem de aves, também têm apetite por sangue humano. Não à toa os cientistas ganharam a categoria nutrição.

Um deles, Rodrigo Torres, diz que uma das maiores vantagens de levar o Ig Nobel é a divulgação científica –muito bem-vinda. "Em um momento de amplo desprezo ao financiamento da pesquisa brasileira por parte do governo federal (cortes de cerca de 45%), a franca divulgação desse trabalho contribui para mostrar que os cientistas brasileiros têm muito talento."

Ele explica que o estudo trata de um evento ambiental histórico, devido à perturbação humana em um ecossistema na Caatinga. Cerca de 300 famílias vivem próximo ao local onde foram colhidas as amostras.

"A história da colonização dessa área está atrelada à dizimação de aves de médio porte por meio da caça, elas que são as principais presas desses morcegos hematófagos. Penso que esta mudança na estratégia alimentar do animal não é nada mais do que a natureza cobrando a conta pelas perturbações humanas"

Na categoria obstetrícia (as categorias variam bastante de ano a ano) venceram cientistas italianos que descobriram que fetos respondem muito mais a estímulos sonoros quando o som é emitido de dentro da vagina da mãe em comparação a uma fonte sonora encostada na barriga.

"Os fetos reagiam movendo a boca e a língua, como se quisessem falar. Pela primeira vez, nós somos capazes de nos comunicar com os fetos", disse à Folha a médica espanhola Marisa Lopez Teijon, inventora do dispositivo, que foi chamado de Babypod. Outra vantagem, aponta ela, seria detectar mais precocemente se os bebês têm algum problema auditivo, já que eles reagem ao som.

"Uma consequência do nosso estudo é a possibilidade de uma estimulação precoce. Geralmente é aceito que qualquer tipo de estimulação é útil –e quanto antes, melhor."

ORELHAS E CROCODILOS

O médico Britânico James Heathcote, em meados dos anos 1990, dedicou parte do seu tempo a responder uma pergunta até então sem resposta: homens mais velhos têm orelhas maiores? A resposta é sim. E ela foi comprovada após a medição de mais de 200 orelhas, mostrando que, em média, elas crescem, em média, 0,22 mm por ano, a partir dos 30 anos.

Questionado se suas orelhas são grandes, o médico disse que, segundo sua mulher, elas são pequenas. Ele tem 59 anos e faz 60 no domingo (17).

Na categoria economia, os vencedores foram Nancy Greer e Matt Rockloff. O "estudo croc", como eles chamam a pesquisa, viu que pessoas que tiveram contato com um crocodilo vivo tem menor chance de apostar dinheiro indiscriminadamente.

"Nós procuramos desenhar um estudo em que as pessoas passassem por uma excitação antes de apostarem, mas de uma maneira sutil, de modo que elas não percebessem. Estávamos buscando algumas alternativas... sky-diving seria muito óbvio. A mulher de Matt, Susan, sugeriu crocodilos, já que eles fazem parte da fauna local. Como havia uma fazenda de crocodilos próxima, conseguimos promover uma 'experiência íntima', com o animal: após o tour a pessoa podia segurar um crocodilo de 1 m de comprimento.", explica Nancy.

"Eu espero que meus netos pensem que esse episódio do Ig Nobel foi tanto embaraçoso quanto ligeiramente excitante. Com alguma sorte eles frequentarão Harvard e terão muito mais sucesso do que eu", diz Matt.

A pesquisa vencedora da categoria medicina mostrou que existem bases neurológicas para as pessoas não gostarem de queijo. Segundo pesquisador francês Jean-Pierre Royet, quando o foi estudo publicado, em 2016, houve grande reação da imprensa francesa e internacional. "Acho que vai ser novamente o caso agora em 2017-18. Por outro lado, acho que as empresas de laticínios não vão ficar tão felizes com esse tipo de publicidade."

*

.Prêmio Ig Nobel

Conheça os vencedores do Prêmio Ig Nobel

Ilustrações Fabiane Langona
Obstetrícia

LÁ DENTRO

Médicos espanhóis inventaram um dispositivo intravaginal para tentar se comunicar com o feto por meio de música; uma aplicação séria da técnica, diz a inventora Marisa Teijon, pode ser a descoberta precoce de problemas de audição

-

Medicina

NÃO CURTO

Um estudo francês tentou descobrir por que, neurologicamente falando, tanta gente não gosta de queijo. Segundo o cientista Jean-Pierre Royet, a incapacidade de gostar do alimento pode até mesmo ser genética e estar ligada à intolerância à lactose

-

Paz

TERAPIA MUSICAL

Um estudo australiano conseguiu comprovar que a prática regular do didjeridu, tradicional instrumento de sopro aborígene, faz com que as pessoas com problemas de sono, como roncos e apneia, tenham uma sensível melhora dos sintomas

-

Cognição

ESPELHO, ESPELHO MEU

Um quarteto de pesquisadores, três deles da Itália e um do Reino Unido, descobriram que vários dos gêmeos idênticos estudados não são capazes de, em uma fotografia, distinguir entre eles mesmos e seus ex-companheiros de útero

-

Economia

CROCODILAGEM

A dupla Nancy Greer e Matt Rockloff descobriu um tratamento incrível para quem tem problemas com o jogo: basta ter contato com um crocodilo vivo. A explicação é que a excitação negativa atua no cérebro fazendo as pessoas terem mais cautela ao apostar

-

Biologia

TROCA DE PAPÉIS

Pesquisadores descreveram quatro novas espécies de insetos em cavernas no Brasil; para surpresa deles, esses bichos apresentavam uma peculiaridade: fêmeas tinham uma espécie de pênis enquanto machos tinham uma "cavidade" assemelhada a uma vagina

-

Dinâmica de fluidos

TAREFA LÍQUIDA

Em um trabalho escolar, o coreano Jiwon 'Jesse' Han descreveu com equações a dinâmica de fluidos do que acontece quando uma pessoa andando para trás e balançando o conteúdo da xícara de café acaba por derramar o líquido no chão

-

Nutrição

QUEREM SEU SANGUE

Uma das pesquisas brasileiras que venceram o prêmio deste ano foi a de três pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de Pernambuco, que notaram que morcegos-vampiros-de-pernas-peludas também se alimentam de sangue humano, não só de aves

-

Anatomia

AS MINHAS, NÃO

O britânico James Heathcote mediu a orelha de mais de 200 homens para concluir que, sim, elas aumentam com a idade. O estudo foi publicado em 1995 e ainda rende boas risadas, diz Heathcote, que hoje tem 59 anos e que, segundo a esposa, tem orelhas pequenas

-

Física

ADAPTAÇÃO

A capacidade quase sobrenatural de gatos se moldarem aos mais diversos ambientes levou cientistas a questionarem: será que são sólidos ou líquidos? Ainda não há uma resposta definitiva, só a de que os bichos 'são um modelo de estudo interessante'


Endereço da página: