Folha de S. Paulo


Gatos se espalharam pelo mundo após guerras e rotas comerciais marítimas

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Bastet, a deusa-gata egípcia, ficaria orgulhosa com o resultado de uma nova pesquisa genética. Gatos do Egito Antigo, e também da região conhecida como Crescente Fértil, que inclui o território que vai da Palestina ao Irã e Iraque, são basicamente os ancestrais dos felinos doméstico de hoje.

Sim, aquele fofo peludo no seu colo –a Mila, a Luna, o Jim, o Caramelo ou o Laranja– descende de um bicho que vivia no Oriente Médio centenas de anos atrás.

E se ele for um gato malhado, sua estirpe surgiu na Idade Média pela beleza da pelagem que foi então desenvolvida por seres humanos. Mas seja qual for a cor do seu bichano, saiba que ele era admirado e respeitado tanto pelos antigos romanos, como pelos vikings.

Isso porque eles eram úteis para caçar roedores, além de serem elegantes e charmosos. É difícil achar um animal mais belo que um felino, seja ele um tigre, leão, onça, ou o pequeno Felis catus, o gato doméstico.

O estudo genético foi publicado na revista científica "Nature Ecology & Evolution". Ele foi feito analisando o DNA de mais de 200 gatos dos últimos 9 mil anos, incluindo gatos vivos ou fósseis do Egito (claro), da Bulgária, Romênia e mesmo da distante Angola.

Donos de animais domésticos se dividem em três tipos básicos: fãs de gatos, de cães, ou os mais versáteis que gostam das duas espécies (ou os que também curtem aves ou peixes ou chinchilas ou iguanas).

Os gatos, como lembra a revista científica, foram domesticados relativamente tarde em comparação com os cães, "vivendo ao lado dos humanos durante milhares de anos antes do início da domesticação, provavelmente em uma relação mutuamente benéfica, atacando pragas agrícolas".

Entra então em cena a equipe de cientistas liderada por Eva-Maria Geigl, do Instituto Jacques Monod, da Universidade de Paris Diderot, e seu colega italiano Claudio Ottoni, da Universidade de Leuven, Bélgica.
E por que será que eles foram atrás de gatos vivos ou mortos nos locais mostrados na pesquisa?

"Em primeiro lugar, os restos de gatos são escassos. O gato selvagem é um animal tímido e que vive sozinho. O gato europeu vive em florestas, o gato do norte da África e do sudoeste da Ásia vive em áreas abertas, estepes e desertos. Seus ossos, mesmo que sejam preservados, raramente serão encontrados por arqueólogos", disse Geigl à Folha.

"Os países dos quais escolhemos selecionar amostras são aqueles que desempenharam um papel no desenvolvimento das sociedades baseadas na agricultura e na criação de animais na área onde os antepassados dos gatos domésticos eram nativos. Isto foi inventado há 10.000 anos no Crescente Fértil", diz a pesquisadora.

Faz sentido, pois os primeiros agricultores começaram a acumular grãos que atraíram roedores que atraíram gatos selvagens. Os gatos começaram a conviver com seres humanos, mas também com outros gatos.
Ela continua: "o mar Mediterrâneo era uma área de comércio intensivo –e guerra– ao longo da história humana, pelo menos desde a Idade do Bronze. Em nosso estudo, vemos que duas linhagens mitocondriais distintas de gatos, uma originária do Oriente Próximo e uma originária do Egito, espalharam-se pelo Mediterrâneo. O padrão de dispersão segue as rotas comerciais e da guerra."

Os pesquisadores acharam um gato indiano em um antigo porto romano no Egito, no Mar Vermelho, que se sabe ter tido comércio intenso com a Índia. E um gato com DNA egípcio apareceu em um porto viking no mar Báltico.

"Assim, podemos concluir que foi o gato marinheiro que conquistou o mundo antigo", declara a pesquisadora.

AMÉRICAS

Seu colega Claudio Ottoni, da Universidade de Leuven, Bélgica, concorda, e sugere a próxima etapa da pesquisa –gatos das Américas.

"Nossas análises possibilitaram reconstruir longas trajetórias distantes de dispersão de gatos, porque encontramos um gato com um DNA indiano em um porto egípcio-romano no Mar Vermelho e em locais turcos no Mediterrâneo, um padrão que se sobrepõe às rotas de comércio das eras romana e clássica", diz Ottoni.

Outro fator que chamou a atenção do pesquisador italiano foi a ligação com os viking, famosos pelas grandes viagens marítimas.

"É possível que os gatos tenham viajado com vikings ao longo das rotas transatlânticas para a América do Norte. Nós estamos planejando ampliar nossa pesquisa para, no futuro, também incluir gatos antigos nas Américas. Isso seria de grande interesse e não fizemos isso antes porque o primeiro passo foi focar a dispersão de gatos a partir de seus locais de origem".

E ele faz um convite a cientistas das Américas: "definitivamente seremos felizes em estender nossa pesquisa às Américas e contatar pesquisadores e instituições que tenham gatos em suas coleções arqueológicas. Será fundamental para realmente entender o sucesso dos gatos domésticos através das rotas de longa distância da conectividade humana."

Gatos mandaram bem nos últimos milênios. Apesar de problemas com a gramática em inglês, eles hoje dominam a internet: "I can haz global domination".

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MEIO DIVINO, MEIO CAÇADOR

Estudo científico mapeou a origem dos gatos

Carolina Daffara/Folhapress

GATOS

Servem como controle de pragas de roedores, têm simbolismo, e são animais de companhia.

O processo de domesticação é pouco conhecido; e a aparência dos felinos, ao contrário dos cães, mudou pouco desde a pré-história

O ESTUDO

Os pesquisadores analisaram geneticamente 200 gatos, tanto fósseis ou múmias ou animais modernos, que viveram nos últimos 9.000 anos, incluindo gatos da pré-história da Romênia e Bulgária, do Egito antigo, da era clássica romana, de um porto viking e Angola

RESULTADOS

Houve duas fontes principais do DNA dos gatos modernos, uma do Oriente Próximo (o chamado Crescente Fértil que engloba Líbano, Jordânia, Irã, Iraque) e outra do antigo Egito, onde os gatos tinham status de divindades. Nessas regiões que são o berço da agricultura, o gato era a principal "arma" contra roedores

DISPERSÃO

As rotas de comércio antigas indicam a disseminação dos gatos, tanto por terra como por mar. Ratos sempre foram um problema a bordo de navios, e os gatos eram a solução ideal

PELAGEM

O estudo também analisou a pelagem dos felinos domésticos e revelou que o hoje comum gato malhado surgiu apenas na Idade Média, também no oeste da Ásia, e depois se espalhou pela Europa

CONCLUSÃO

Ou seja, as qualidades de caçador dos gatos sempre foram mais privilegiadas do que seu elegante visual ou papel como companheiros


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