Folha de S. Paulo


Injeção de bactérias no coração salva ratos de infarto

Alessia Pierdomenico - 7.abr.2002/Reuters
Ratos de laboratório receberam injeção de cianobactérias
Ratos de laboratório receberam injeção de cianobactérias

Que tal injetar milhões de bactérias no seu coração? Formulada em tais termos, a ideia parece uma idiotice completa, mas dados preliminares sugerem que um procedimento como esse poderia salvar vidas após um ataque cardíaco –desde que os micro-organismos usados sejam do tipo que produz oxigênio na presença de luz.

Em experimentos com ratos, esses micróbios –cianobactérias da espécie Synechococcus elongatus– conseguiram proteger o coração das cobaias dos danos causados pela falta de circulação de sangue no órgão e melhoraram em 30% o seu funcionamento, o que, em pacientes humanos, poderia significar a diferença entre a vida e a morte, segundo os autores do inusitado estudo.

A pesquisa, que acaba de ser publicada na revista especializada "Science Advances", foi coordenada por Joseph Woo, da Universidade Stanford (EUA). Ao menos em princípio, a abordagem adotada pela equipe da instituição californiana é bastante lógica. Afinal, cianobactérias como a S. elongatus (que vive nos oceanos) estão entre as grandes responsáveis pela produção do oxigênio da nossa atmosfera, por meio da fotossíntese. O gás é o que sobra desse processo, no qual a luz do Sol é usada como fonte de energia para transformar água e CO² (dióxido de carbono) em açúcar.

Por outro lado, quando as artérias que alimentam o coração com sangue vão ficando entupidas e o fluxo não chega como deveria ao órgão, ele recebe menos oxigênio. Em tese, portanto, as cianobactérias poderiam oferecer aos tecidos cardíacos justamente o que lhes falta nessa situação.

O primeiro passo para mostrar que a ideia poderia funcionar foi cultivar os micro-organismos junto com células cardíacas (de ratos) em laboratório, tanto em condições de boa iluminação quanto no escuro. Esse experimento inicial serviu para mostrar que a convivência com as cianobactérias não afetava a sobrevivência das células do coração e que, quando a luz estava presente, os micróbios oxigenavam a placa de vidro onde estavam sendo cultivados.

Outro ponto interessante é que havia menos oxigênio onde as bactérias e as células cardíacas estavam sendo cultivadas juntas do que nas placas onde só havia a S. elongatus, indício de que as células de rato estavam consumindo o excesso do gás ("respirando-o", basicamente). Finalmente, quando as células cardíacas foram submetidas a uma condição de baixa presença de oxigênio, a "parceria" com as bactérias permitiu que o metabolismo delas continuasse funcionando razoavelmente bem, graças ao gás emitido pelos micróbios.

ARTÉRIA APERTADA

O teste mais importante da ideia de Woo e seus colegas veio a seguir. Os pesquisadores provocaram o fechamento de uma das artérias coronárias (que levam sangue rico em oxigênio ao coração) de ratos de laboratório. Era como se os bichos estivessem sofrendo um infarto.

A partir daí, as cobaias foram divididas em três grupos: um deles recebeu injeções da cianobactéria no coração num ambiente iluminado, outro recebeu as mesmas injeções, só que no escuro, enquanto o terceiro ganhou apenas uma solução salina inócua. Com a ajuda de um corante especial, os pesquisadores conseguiram acompanhar o que acontecia com os níveis de oxigenação do coração dos ratos.

Resultado: os bichos que receberam a S. elongatus na luz tiveram aumento de 25 vezes na oxigenação cardíaca depois do ponto baixo provocado pelo infarto (contra um aumento de apenas três vezes nos outros casos, provavelmente ligado ao simples fato de que o coração dos bichos ficou diretamente exposto ao ar). Houve ainda um aumento do metabolismo e uma melhora de 30% nas funções cardíacas dos animais que foram tratados com a bactéria na luz.

Outras análises mostraram que o micróbio não parece provocar reações inflamatórias nem infecções nos ratos –as células bacterianas, em sua maioria, somem após 24 horas, provavelmente devoradas pelas células do sistema de defesa do organismo.

COMO E QUANDO FAZER

É claro que ainda falta muito para aplicar a ideia em seres humanos. Além de mais testes de segurança, seria desejável achar maneiras de levar luz às cianobactérias sem ter de abrir o peito dos pacientes, já que a maioria dos doentes cardíacos hoje são tratados com métodos não invasivos.

Uma possibilidade seria usar bactérias que fazem fotossíntese com base em luz infravermelha. Com isso, bastaria colocar a luz sobre a pele do paciente, já que esse tipo de radiação, diferentemente da luz visível, pode atravessar os tecidos do corpo.


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