Folha de S. Paulo


Estudo traça migração de cientistas pelo mundo e seu impacto

Diego Padgurschi/Folhapress
Cientista manipula amostra com sangue contaminado, obtido de paciente que teve zika
Cientista manipula amostra com sangue contaminado, obtido de paciente que teve zika

"Cientistas são animais migratórios". Assim começa um estudo especial da revista científica americana "Science" sobe migrações.

Mas até que ponto essa mobilidade é benéfica para o país que recebe, e, principalmente, para o país que envia esses exóticos "animais" ao exterior? A migração de cientistas de um país para outro costuma ser chamada, afinal, de "drenagem de cérebros" ("brain drain").

Os dados coletados pelo pesquisador John Bohannon para a "Science" produziram resultados semelhantes aos que as Nações Unidas têm divulgado. Em 2015, um em cada cinco cientistas vivia em um país da União Europeia, 17% nos Estados Unidos e 19% na China. Estes países e regiões continuam sendo os que mais atraem cientistas e engenheiros imigrantes.

Por outro lado, só 10% dos pesquisadores na Ásia com doutorado migram, contra 32% dos que receberam o título no Rei Unido (vão principalmente para a Ásia, o resto da Europa e para os EUA); 19% dos doutores "produzidos" nos EUA migram, principalmente para a Ásia.

No resto do continente americano 13% dos doutores migram, a maior parte para os Estados Unidos.

Os dados mostram também um crescimento constante desde 1990 no número de cientistas estrangeiros imigrando para os Estados Unidos, mas em 2002, esse fluxo estagnou, possivelmente por causa dos ataques terroristas de 2001, só voltando a voltar a crescer significativamente em 2008.

As políticas contra imigração defendidas pelo presidente americano Donald Trump como um modo de supostamente reduzir o risco de atentados terroristas poderão afetar de novo esse fluxo.

Além da pesquisa, a "Science" convidou vários cientistas sociais para comentar o tema, em um momento em que "retórica e atos chamativos de manchetes mexem com paixões ao redor do globo".

Os dados foram compilados da Orcid, uma organização sem fins lucrativos que atribui códigos de identidade para pesquisadores que não querem ser confundidos com outros com nomes iguais ou semelhantes. Dos cerca de oito milhões de cientistas do planeta, três milhões têm códigos da Orcid.

Em um dos artigos que acompanham o estudo, Jennifer Hunt, da Universidade Rutgers, em New Brunswick, Nova Jersey, EUA, afirma que "há debates animados em países ao redor do mundo sobre como estimular o crescimento econômico e o quanto os imigrantes contribuem para a economia. Minha pesquisa sobre a economia dos EUA mostra que a imigração qualificada aumenta patentes, o que impulsiona o crescimento econômico per capita".

Outros três autores –Giuseppe Scellato, da Politécnica de Turin, Itália; Chiara Franzoni da Politécnica de Milão, Itália; e Paula Stephan, da Universidade Estadual da Geórgia, EUA– trabalharam em uma pesquisa internacional sobre cientistas, a GlobSci Survey, realizada em 16 países, incluindo o Brasil.

"A intenção da nossa pesquisa foi analisar os efeitos da produtividade associados à migração no nível individual ou micro. Embora este não seja o nosso foco principal, nossa pesquisa aborda maneiras pelas quais a mobilidade é benéfica para os países do Terceiro Mundo", declarou Stephan à Folha.

"Em primeiro lugar, na medida em que alguns migrantes retornam –e encontramos uma proporção maior do que a média de retornados no Brasil–, esses migrantes são mais produtivos do que indivíduos no país de origem que não foram móveis", diz ela.

Em segundo lugar, afirma, os indivíduos móveis estão associados com o aumento da produtividade. O conhecimento produzido fica disponível para os indivíduos no país de origem, bem como para outros países.

"E, em terceiro lugar, em um de nossos artigos, examinamos os padrões de colaboração de indivíduos móveis e nossos resultados indicam que os indivíduos móveis colaboram com indivíduos em seu país de origem", diz ela.

Para John Bound, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, EUA, a possibilidade de migração pode ter dois efeitos potencialmente positivos sobre a força de trabalho científica nos países de origem. Ela pode incentivar o estudante talentoso no país em desenvolvimento a buscar uma instrução científica e há a migração de retorno.

"Indiscutivelmente, no nível de doutorado, Taiwan, Coréia do Sul e China se beneficiaram significativamente dos migrantes que retornaram. No contexto da indústria de tecnologia de informação, ambos os mecanismos beneficiaram a Índia. Para que isso funcione, é importante que os países emissores tenham instituições que apoiem estudantes e cientistas que retornem", disse.

O economista brasileiro Breno Gomide Braga trabalha com Bound nos EUA. "Concordo com os dois pontos levantados pelo John, mas também tenho um argumento a acrescentar. A migração de cientistas pode ser também benéfica para o Brasil porque muitos cientistas continuam pesquisando temas de interesse do país mesmo morando no exterior", disse Braga à Folha.

"Em geral, cientistas encontram melhores condições de trabalho e recursos para sua pesquisa fora do Brasil. Acho que meu caso é um bom exemplo. Apesar de morar fora do país, parte da minha pesquisa é relacionada ao Brasil. O meu centro de pesquisa me fornece recursos que dificilmente encontraria em uma instituição brasileira. Por trabalhar nos EUA, também tenho maior facilidade de acesso a conferências científicas e outros pesquisadores. Todos esses fatores influenciam na qualidade do meu trabalhos sobre a economia brasileira. A mesma lógica se aplica a um cientista estudando uma vacina contra o vírus da zika em uma universidade americana, por exemplo", conclui o brasileiro.


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