Folha de S. Paulo


Achados arqueológicos revelam rica 'dieta mediterrânea' na Pré-História

Yaakov Langsam
Restos de plantas encontrados em Israel: 1) caroço de uma uva; 2) ovário de flor de carvalho; 3) parte de cima de noz; 4) semente de uma planta e 5) semente da erva bunho
Restos de plantas encontrados em Israel: 1) caroço de uma uva; 2) ovário de flor de carvalho; 3) parte de cima de noz; 4) semente de uma planta e 5) semente da erva bunho

Um sítio arqueológico em Israel revelou o que poderia ser chamado de "a primeira dieta do Mediterrâneo".

Essa dieta moderna, hoje na moda, é considerada saudável por incluir legumes, azeite de oliva, grãos, frutas, frutos do mar e consumo moderado de carnes. Quase tudo isso já servia de alimento ao homem pré-histórico do sítio de Gesher Benot Ya'aqov 780 mil anos atrás.

Ou seja, mesmo um ancestral humano bem diferente do homem moderno já tinha uma dieta rica; os restos de material botânico indicam 55 espécies distintas de plantas. O sítio também mostra restos de animais aquáticos e terrestres, incluindo até elefantes.

Não foram achados restos humanos no local, mas, pela idade, com certeza a população era constituída pelo Homo erectus, ou um parente próximo, em vez do atual Homo sapiens.

A descoberta ajuda a explicar como o ser humano, surgido na África, conseguiu colonizar a Eurásia. Em Israel havia o chamado "corredor do Levante", o caminho para a migração e que agora se sabe que incluía uma boa dieta "para a viagem".

"Os restos de plantas faziam parte de uma dieta muito mais diversificada que provavelmente incluía espécies de plantas alimentares adicionais, peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos e vários invertebrados aquáticos e terrestres", afirmam os pesquisadores, em artigo publicado recentemente na revista científica "PNAS", da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Também foram achados instrumentos de pedra no local, típicos dos que costumam ser achados com a mesma idade na África.

TÉCNICAS AVANÇADAS

A grande variedade de recursos alimentares é causada pela presença próxima de um lago, "permitindo ocupações repetidas do mesmo local durante dezenas de milênios", escreveram os pesquisadores, liderados por Namma Goren-Inbar, da Universidade Hebraica, de Jerusalém.

Os habitantes de Gesher Benot Ya'aqov não só tinham uma dieta variada, mas demonstravam conhecimento sobre quais estações do ano eram mais adequadas para coletar diferentes tipos de alimento, além de já usarem fogo no processamento da comida. A variedade permitia nutrição saudável ao longo de todo o ano.

Por causa da melhor preservação de restos de proteínas animais e de ossos, julgava-se que a dieta pré-histórica era rica nesses alimentos. Em parte essa visão foi modelada com base em estudos de caçadores-coletores modernos. O achado dessa variedade de alimentos de origem vegetal modificou agora a visão sobre a antiga dieta humana.

"O que mostramos em nosso artigo é que a dieta era muito mais ampla, mais componentes foram integrados nela e isso incluiu muitos componentes tanto da fauna e da flora do bioma mediterrâneo", disse Goren-Inbar à Folha.

O sítio revelou mais de 100 mil fragmentos de plantas, incluindo 22.714 sementes ou frutos. Mas a parte "comestível" compreendia "apenas" 9.148 restos de plantas, de pelo menos 55 espécies (em alguns casos era difícil distinguir a espécie exata, apenas o gênero).

Diferentes partes das plantas eram consumidas; poderiam ser as folhas verdes, as raízes, os frutos. Podiam ser comidas cruas, cozidas, tostadas. As fontes de energia mais eficientes em termos de nutrição eram os grãos.

Qual era a comida a preferida? "Nós não temos a resolução para discutir as preferências diárias, mas claramente castanhas –e particularmente castanhas-d'água– foram as favoritas e foram encontradas em relativa abundância nos diferentes locais de Gesher Benot Ya'aqov", disse Goren-Inbar.

"A cultura material –ferramentas de pedra, milhares delas– são muito africanas em suas características. Isso significa que, em algum momento, os hominídeos saíram da África e, posteriormente, preservaram essa tradição de fazer artefatos de pedra. Contudo, o continente africano fornece uma seleção muito diferente de plantas comestíveis", diz o pesquisador israelense.

"E se encontrarmos a tradição africana com a flora mediterrânica local, isso significa que os hominídeos tinham um grande poder de adaptação. Esse traço de adaptação fantástico e conhecimento da flora e fauna locais claramente lhes permitiu se estabelecerem mais tarde em outras partes do Velho Mundo que tinham diferentes ou parcialmente diferentes faunas e floras", conclui Goren-Inbar.


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