Folha de S. Paulo


Entrevista

Não dá para esperar cultura mudar para ter mais mulheres na ciência

À frente do premiado Instituto Weizmann de Ciências, localizado em Israel, um dos dez mais importantes do mundo, o cientista Daniel Zajfman, 57 anos, diz que sua tarefa mais eminente e árdua é equilibrar o número de homens e mulheres em cargos de liderança.

"Esperar por uma mudança cultural que facilitasse a entrada das mulheres demoraria demais, e gente não pode esperar que isso aconteça para mudar a nossa realidade", afirma ele, que criou um comitê para recrutar mais pesquisadoras.

De passagem pelo Brasil, ele concedeu entrevista à Folha, na qual falou também sobre a importância de apresentar as ciências para as crianças, o perfil ideal de um cientista –que não tem a ver com conhecimento– e as novas pesquisas do instituto, como a customização do tratamento do diabetes e a regeneração de materiais sem intervenção humana.

Divulgação
Daniel Zajfman, presidente do Instituto Weizmann
Daniel Zajfman, presidente do Instituto Weizmann

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Folha - O filme "Estrelas Além do Tempo" ("Hidden Figures", no original), com estreia prevista para fevereiro do ano que vem, conta a trajetória de mulheres da Nasa que ajudaram na corrida espacial há décadas. Como o senhor avalia a participação feminina nos laboratórios?
Daniel Zajfman - Mulheres na ciência são um ponto crítico. Elas são minoria em todos os laboratórios, e eu acredito que todos deveriam se perguntar por quê. Foi o que fizemos olhando para as estatísticas.
Mulheres são 45% dos PhDs, mas não estavam no instituto. Fomos até as melhores do mundo e dissemos: "Por que você está fora do laboratório? A ciência precisa de você". As respostas, invariavelmente, eram as mesmas: "Meu marido tem uma carreira aqui" ou "tenho filhos". Não estou julgando, veja bem, estou contando o que ouvimos.

O que vocês fizeram?
Esperar por uma mudança cultural que facilitasse a entrada das mulheres demoraria demais, e não podemos esperar que isso aconteça para mudar a nossa realidade. Então, fomos ao trabalho. Perguntamos aos maridos se eles viajariam caso a condição econômica deles não fosse uma questão, e passamos a arcar com isso, financeiramente. Dezenas de mulheres chegaram ao nosso instituto por esse caminho.
Percebemos também que a plataforma que a mulher precisa para trabalhar e crescer com satisfação é diferente. Pais viajam a trabalho sozinhos. Mães levam os filhos. De novo, não estou criticando, o meu trabalho é estimular talentos. O que fizemos? Passamos a pagar a estadia e as passagens das crianças, que é um custo mínimo, porque acreditamos em investir num ótimo funcionário.

Quantas são as mulheres em cargos de chefia no instituto?
Não temos a quantidade que gostaríamos, mas essa não é uma mudança fácil de fazer. Você não recalcula a rota de um ano para o outro. Para você ter mulheres em cargos de chefia, você precisa de candidatas.
Há dez anos criamos um comitê para recrutar mulheres e, desde então, estamos criando lideranças. Nos cargos mais altos, elas são 15%. Mas antes elas não existiam, percebe? No nível gerencial, 25% e, abaixo disso, são quase 50% –estamos bem perto, na verdade.
Uma premiada com o Nobel de Química é do nosso laboratório, a cientista Ada Yonath, em 2009.

Produções como o filme da Nasa impactam de que maneira na vida das jovens?
É disso que estou falando. Estou adorando esse filme em que as mulheres são protagonistas e toda a discussão que ele trouxe.
Quando você procura por cientistas em sites de busca, aparecem pessoas como eu, não como você (ele aponta para a repórter).
Em geral são fotos de homens brancos, com camisa, cara de nerd ou geek e óculos. Não somos assim, temos família, uma vida fora do laboratório e fazemos ciência. E é justamente de referências que meninas e adolescentes precisam para se inspirar e seguir a carreira na ciência.
Quando você vai escolher uma profissão, você pensa em quem faz aquilo muito bem. Em quem elas se espelham? As mulheres da Nasa agora farão parte do repertório das meninas.

O senhor usa essa tática para atrair novos cientistas?
Se você traz um cientista fora da curva, outros o seguirão. Se oferecer estrutura e um centro de excelência, outros virão. Não me preocupo em trazer os que sabem mais. Isso era um valor há 50 anos.
Se você souber o que buscar, o Google te dá as respostas. Não quero na minha equipe alguém que tenha respostas para as perguntas velhas, e sim pessoas que façam perguntas novas. Por isso, não fazemos teste, apenas uma prova oral. Preciso saber se aquele cientista tem curiosidade e paixão pelo o que faz.
Na ciência, as respostas podem levar anos para aparecer ou não aparecer. Por isso não temos um programa desenhado nem metas. Sem curiosidade e paixão não é possível.

Quais são as novas perguntas que o seu time quer responder?
Melhorar a qualidade de vida é mais importante que viver mais, mas hoje não é isso que fazemos.
Usamos os mesmos remédios para tratar todo mundo da mesma maneira. Precisamos customizar o atendimento. Antes, a gente imaginava que conseguiria fazer isso olhando apenas para o genoma. Descobrimos que precisamos olhar para a nossa flora. Esses dois dados, integrados, vão dar as respostas que precisamos. Por isso digo que não existe um tipo de diabetes, mas milhares. Não faz sentido todos seguirem as mesmas dietas.

Recentemente, pesquisas sobre materiais inteligentes desenvolvidos no instituto foram notícia em todo o mundo. Quais são as apostas dos cientistas?
Olhe para o seu redor.
Primeiro, para a natureza. Depois, para esse ambiente que estamos [um escritório].
A natureza é capaz de se regenerar, isto aqui [aponta para a mesa], não. Quase tudo que construímos são materiais burros. Se o seu carro quebra, ele não é capaz de se reorganizar sozinho. Mas e se pudesse?
Um time de especialistas do instituto está pensando nisso. Um exemplo que estamos estudando é o papel. Se você imprime algo nesta folha, a vida útil dela acabou. Mas e se você tivesse uma tinta especial, legível com um tipo de iluminação e que fosse apagada com outra? Nós estamos pensando nisso.

Estamos em um ano de crise e, como sempre, o pouco investimento na ciência foi reduzido pelo governo federal. Perdemos, inclusive, grandes cientistas. É uma decisão acertada?
Você pode sentar aqui com seu celular e usar o wifi. A ciência mudou a nossa vida e a engenharia das coisas nos últimos cem anos, e isso foi positivo para a sociedade. Hoje, o conhecimento vale mais que qualquer produção e, por isso, lidera a economia. O que estão fazendo não faz sentido.

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Raio-X

NASCIMENTO
Na Bélgica, em 1959

FORMAÇÃO
Formou-se bacharel em 1983 e obteve seu PhD em 1989 em física atômica no Technion (Instituto de Tecnologia de Israel). Fez pós-doutorado no Laboratório Nacional de Argonne, nos arredores de Chicago

CARREIRA
Foi eleito presidente do Instituto Weizmann em 2006, aos 47 anos. É o mais jovem a ter assumido essa posição


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