Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Empresas são alheias à discussão sobre sofrimento animal

Haruko Obokata
Imagem fluorescente de feto de camundongo
Imagem fluorescente de feto de camundongo

Peter Singer, filósofo australiano influente entre vegetarianos, defende em "Ética Prática" (1979) que alguns sofrimentos são maiores do que outros. Um rato com câncer sofre menos que uma pessoa, então é justificável sacrificar um rato pelo bem da humanidade.

Singer é utilitarista, ou seja, acredita que é possível medir o sofrimento e o bem-estar de animais e seres humanos. Para tomar uma decisão utilitarista, deve-se escolher a opção que dá mais prazer ou felicidade aos envolvidos, sejam eles humanos ou não.

Essa posição causa calafrios em veganos, contrários a qualquer exploração de seres de outras espécies. Os animais têm o direito de não serem usados para fins humanos em nenhuma hipótese, dizem os defensores dessa corrente, chamada de abolicionista.

Enquanto isso, empresas tecem poucas considerações éticas, convenientemente alheias à discussão. L'Oréal, M.A.C., Pantene, Dove e Procter & Gamble ainda testam cosméticos em animais, situação em que o sofrimento dos bichos não gera praticamente nenhuma contrapartida.

Para dialogar com essas corporações, é necessário apelar ao utilitarismo, mostrando que há opções que causam menos sofrimento. Iniciativas como o prêmio Lush e as bolsas da ONG Peta (Pessoas Pelo Tratamento Ético dos Animais), que financiam pesquisas científicas sobre métodos alternativos aos testes com animais, são um bom começo.

Uma pesquisa da Peta de 2015 aponta que apenas nove de 63 marcas internacionais de cosméticos abandonaram os testes em animais, apesar de proibições em diversos países, inclusive na União Europeia e, no Brasil, no Estado de São Paulo.

O sofrimento de um coelho é compensado pelo aperfeiçoamento de um produto antirrugas? A pergunta é fácil de responder moralmente, mas o cálculo feito pelas empresas é só econômico. A China exige que cosméticos exportados para lá sejam testados em animais, e nenhuma marca quer perder esse mercado.

Talvez, e é discutível, alguns ratos precisem sofrer com câncer para salvar vidas humanas. Segundo a ONG Humane Society, porém, 100 milhões de animais são usados por ano para testes. Destes, poucos são ratos-mártires e muitos poderiam ser poupados.


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