Folha de S. Paulo


Chineses já produziam e bebiam cerveja há 5 mil anos

Os chineses já fabricavam cerveja 5.000 anos atrás, segundo artefatos de cerâmica encontrados em duas covas que correspondem ao equipamento usado para fermentar, filtrar e armazenar a bebida alcoólica.

A descoberta mostra uma tecnologia avançada e sugere uma relação pioneira com a Europa, além de revelar um aumento na complexidade social dessa antiga população.

Cerveja envelhecida

Os seis pesquisadores da China e dos EUA, liderados por Jiajing Wang, da Universidade Stanford, Califórnia, publicaram a descoberta em estudo na última edição da "PNAS", revista da academia de ciências dos EUA.

As duas covas encontradas em Mijiaya, região do rio Wei, norte da China foram datadas em torno de 3.400 a 2.900 anos a.C. Curiosamente, os responsáveis originais pela escavação não tinham notado a conexão com cerveja.

"O sítio Mijiaya foi escavado entre 2004 e 2006, e o relatório da escavação completo saiu em 2012. Foi a partir da leitura do relatório da escavação que o professor Li Liu, segundo autor do artigo, notou que as coleções de cerâmica de duas covas podiam estar relacionadas com a produção de álcool, principalmente por causa da presença de funis e fogões", disse Wang à Folha.

Segundo Wang, pesquisadores chineses já tinham sugerido que os funis do período Yangshao (entre 5.000 a 2.900 anos a.C) foram utilizados para a produção de álcool, mas então era apenas especulação, sem evidência direta. Outras peças de cerâmica encontradas incluem fogões –a fabricação da bebida envolve aquecimento– e ânforas e potes para armazenar a bebida. As peças tinham no interior resíduos amarelados indicando que poderiam ter contido cerveja.

As formas e estilos dos recipientes mostram semelhanças de estilo com equipamento de fermentação de cerveja no registro etnográfico.

"No verão de 2015, nós fomos para Xi'an e visitamos o Instituto de Arqueologia Shaanxi, onde os artefatos foram armazenados. Foram extraídos resíduos dos artefatos e fizemos a análise desses resíduos. Os resultados acabaram provando nossa hipótese de pessoas na China fabricando cerveja cerca de 5.000 anos atrás", afirma o pesquisador de Stanford.

Foram coletados 541 grãos de amido nas peças de cerâmica. A análise das suas formas e tamanhos indicou quais espécies vegetais foram usadas. "A descoberta de cevada foi uma surpresa", diz Wang, porque indica que o cereal já estava sendo cultivado ali cerca de mil anos antes do que se conhecia.

O fato de ser uma cultura importada do oeste da Eurásia também indica um relacionamento precoce entre as regiões. "A receita da cerveja indica uma mistura de tradições chinesas e ocidentais –cevada do Ocidente; milheto, lágrimas-de-jó e tubérculos da China", diz o pesquisador.

A análise química também indicou a presença de oxalato, um subproduto da fermentação da cerveja.

Outro significado importante sugerido pelos autores do estudo é que a cevada teria sido introduzida na planície central da China como um ingrediente para a produção de álcool em vez de agricultura de subsistência.

"A prática de produção de cerveja é provável que tenha sido associada com o aumento da complexidade social na planície central durante o quarto milênio a.C. O período Yangshao tardio na região do rio Wei foi caracterizado por padrões de assentamento hierarquicamente organizados, competições entre unidade políticas, construção de grandes obras de arquitetura públicas em centros regionais e festa ritual provavelmente organizada por indivíduos de elite e envolvendo consumo de álcool", escreveram os autores na "PNAS".

Para eles, assim como outras bebidas alcoólicas, a cerveja é uma das drogas mais amplamente utilizadas do mundo para "a negociação de diferentes tipos de relações sociais". Segundo a equipe sino-americana, a coincidência da produção de cerveja com outras linhas de evidência material sugere que festividades competitivas estavam se desenvolvendo.

A produção e o consumo de cerveja em Yangshao pode ter contribuído para o surgimento de sociedades hierárquicas na planície central, na região conhecida como "o berço da civilização chinesa", afirmam os pesquisadores.


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