Folha de S. Paulo


Em tom heroico, livro de Nicolelis aborda criação de instituto no RN

Não faltam relatos de heroísmo no primeiro volume da Biblioteca Miguel Nicolelis, "Made in Macaíba - A História da Criação de uma Utopia Científico-Social no Ex-Império dos Tapuias", que a editora Planeta lança nesta segunda-feira (22).

A coleção será dedicada à obra do neurocientista. O próprio assina o volume inaugural (não fica claro se os demais serão também seus). Trata-se de uma narrativa dos 13 anos em que ele e seu "exército de Brancaleone" lutaram para pôr de pé o IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra).

Há de tudo no livro. Bravos tapuias resistem ao invasor português, que tenta rechaçar o usurpador holandês. Aviadores americanos usam a base aérea de Natal para livrar o mundo dos fascistas. Até as plantas do semiárido resistem à inclemência do clima e desabrocham em flor.

Tudo transcorre como se a periférica Macaíba, a 25 km da capital potiguar, fosse a sede secreta da resistência ao vira-latismo nacional. Destaca-se um baobá que poderia ter inspirado Antoine de Saint-Exupéry, de "O Pequeno Príncipe", e hoje decora a entrada do Campus do Cérebro do IINN-ELS.

O neurocientista estabelece uma conexão misteriosa com o Rio Grande do Norte. Mas as razões para Nicolelis fixar-se em Natal e ali materializar a "utopia científico-social" –e não noutro lugar– seguem obscuras na obra.

PERIPÉCIAS

São várias as peripécias do enredo. A mais humorística opõe um Nicolelis jocoso e desafiador ao bispo de Raleigh, maior autoridade católica da Carolina do Norte (EUA). "Neste momento o senhor está me pondo na companhia de Galileu Galilei", relata ter dito Nicolelis.

Qualquer leitor curioso pagaria para ouvir a fita do encontro, se houver uma, em que o bispo tenta fazer o pesquisador assinar a renúncia da Pontifícia Academia de Ciências. A mando da Inquisição, nada mais.

O diálogo oculta um viés trágico –denuncia o episódio como parte de conspiração de invejosos para puni-lo pela ousadia de fundar o IINN-ELS e por suas convicções políticas. Notório lulista, Nicolelis obteve da União, em 2007, R$ 42 milhões para erguer o Campus do Cérebro.

"[A] única hipótese que me escapou foi que opositores do IINN-ELS tivessem tido a ousadia de cooptar um membro central de nosso projeto, sem que ninguém desse conta", relata. "Mas como sempre diz a professora Dora Montenegro, a diretora das nossas escolas no Rio Grande do Norte, a vaidade é a maior corruptora dos homens."

Nicolelis se queixa ao bispo, poucas páginas antes, por seu delator ao Vaticano esconder-se no anonimato. Já no trecho em que expõe sua teoria da conspiração, omite o nome do "membro central" do projeto IINN-ELS.

É Sidarta Ribeiro, primeiro diretor científico do instituto, que o abandonou em 2011 rumo ao Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Foi "a crise mais séria da curta história do IINN-ELS", qualifica Nicolelis. O desenlace ocupa uma página e meia das 320 da obra. Outras 19 são do último capítulo, "Um chute brasileiro para toda a humanidade".

Made In Macaíba
Miguel Nicolelis e Marina Filizola
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Começa narrando como o autor recebeu a notícia de que seu mentor, César Timo-Iaria, sofria da doença degenerativa esclerose lateral amiotrófica. A cena compungente prepara o tema da interface cérebro-máquina cuja viabilidade Nicolelis escolheu demonstrar na abertura da Copa do Mundo do Brasil. O resultado todos conhecem, mas é instrutivo, para aquilatar a obra do cientista no Brasil, compará-lo com o que vai relatado em seu livro.

MADE IN MACAÍBA
AUTOR Miguel Nicolelis
Editora Planeta
Quanto Não divulgado (320 págs.)
Avaliação Regular

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MASSA CINZENTA DE CONCRETO

Entenda o que é o Campus do Cérebro

O QUE É O Campus do Cérebro é um projeto idealizado pelo neurocientista Miguel Nicolelis. Orçado em quase R$ 250 milhões, inclui um centro de pesquisa em neurociência, uma escola, um centro de saúde e atividades de divulgação astronômica em Macaíba (RN)

LINHA DO TEMPO

1995 Sidarta Ribeiro, Cláudio Mello e Sergio Neuenschwander começam o movimento para repatriar neurocientistas brasileiros e criar polo de neurociência no Rio Grande do Norte

2003 Parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Nicolelis para criar o Instituto Internacional de Neurociências de Natal

2004 Inserção da Finep e concessão, pela UFRN, do terreno em Macaíba (RN)

2006 Assinatura do contrato de gestão do projeto

2009 Licitação para a construção

Fevereiro de 2011 Nicolelis anuncia seus planos de expandir o IINN e criar o megaprojeto do Campus do Cérebro, com centro de pesquisa, escola e unidade de saúde

Fim de 2011 Professores da UFRN envolvidos no IINN abandonam o projeto para fundar outro instituto. A justificativa:Nicolelis não permitia acesso a equipamentos

Julho de 2014 Novo contrato de gestão é firmado. MEC omite, no diário oficial, o valor do projeto: R$ 247 milhões

Dezembro 2014 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) questiona MEC por investir tanto dinheiro no projeto

Maio de 2015 Relatório do TCU aponta irregularidades no projeto no Rio Grande do Norte


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