Folha de S. Paulo


Foi sofrido guardar segredo sobre as ondas gravitacionais, diz brasileiro

Quando soube que tinha nas mãos a notícia do ano, ou da década, da área de física e astronomia, Odylio Aguiar, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP), teve vontade de contá-la para todo mundo.

"É um sofrimento danado. É complicado ir almoçar com os colegas, o pessoal falando sobre ondas gravitacionais e você não poder contar a grande novidade."

A cautela, contudo, era necessária, afinal, o mundo já havia se decepcionado com dois alarmes falsos sobre a detecção de ondas gravitacionais. Foram quatro meses de segredo, desde confirmação até a revisão dos dados e a publicação da notícia. Mesmo assim, vazamentos recentes indicavam que as tais ondas tinham sido mesmo observadas.

Na última quinta (11), enfim, o mundo pôde ter a certeza de que o fenômeno, previsto há mais de cem anos por Albert Einstein e que surge quando grandes massas se movimentam de fato existia. O evento foi detectado por dois quilométricos sensores a laser (Ligo), nos EUA.

Veja abaixo trechos da conversa que teve com a Folha:

Fabio Braga/Folhapress
Odylio Aguiar, cientista brasileiro que pesquisa ondas gravitacionais
Odylio Aguiar, cientista brasileiro que pesquisa ondas gravitacionais

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Folha - Como foi o momento "eureka" dessa descoberta?

Odylio Aguiar - A colisão de buracos negros ocorreu há 1,3 bilhão de anos, mas as ondas gravitacionais só chegaram à Terra em 14 de setembro de 2015, primeiro no observatório de Louisiana e, 7,3 milissegundos depois, no observatório de Washington.

Alguns membros da colaboração perceberam que era o caso de uma onda gravitacional três minutos após o evento. Era um sinal forte, e uma análise grosseira de dados conseguiu detectá-la.
Várias equipes começaram a analisar os dados para saber se era real —isso levou alguns meses. Quando já tínhamos certeza, decidimos redigir um artigo e submetê-lo para a revista "Physical Review Letters", mantendo o sigilo.

Um segredo entre mil pessoas consegue permanecer secreto?

É complicado, alguém vazou. Os rumores surgiram logo no começo e as informações muitas vezes tinham detalhes precisos. Talvez agora se descubra quem vazou, mas eu não sei o que vai acontecer, se essas pessoas serão expulsas.

Como era não poder contar nada para ninguém?

Digo uma coisa: é um sofrimento danado. A gente tem muita vontade de contar para o colega do lado. E se você conta para um, daqui a pouco todo mundo está sabendo. É complicado ir almoçar com os colegas, todo mundo falando sobre ondas gravitacionais e você não poder contar a grande novidade. A gente só podia falar entre os seis que estavam na colaboração.

O pior de tudo é quando os colegas chegam e perguntam se os rumores são verídicos.

E o que o senhor respondia?

"Olha, eles não terminaram de analisar todos os dados". Lógico que estavam o tempo todo analisando justamente aqueles dados, daquele evento, deixando o resto da corrida [sessão de observação, de setembro a janeiro] de lado.

Era uma situação constrangedora. Eu ficava chateado. Perde-se o tesão porque você tem todo o entusiasmo da coisa e não pode manifestá-lo antes da hora. Quando acontece o pronunciamento oficial você continua não se divertindo porque reprimiu a emoção Mas vai ser sempre assim, com todos os eventos que forem descobertos, até que acabe essa síndrome do que aconteceu no passado, no Bicep2 [radiotelescópio que supostamente detectou ondas gravitacionais em 2014].

Sobrou dúvida no novo caso?

Para os três avaliadores da revista, não. Eles aprovaram imediatamente, pediram umas melhorias, para que o artigo ficasse superperfeito, mas nada que contestasse a veracidade. Esse procedimento será adotado em todos os novos eventos detectados.

Agora a ideia é esperar por outros eventos? Existe alguma periodicidade esperada?

É como pipoca estourando no micro-ondas -você não sabe exatamente quando será o próximo estouro.

Mas sabe que vai estourar...

Sabe. Se você colocar o micro-ondas na potência certa e elas começam a estourar, você sabe que vai continuar.
Eu acredito que nesse ano ainda haverá pronunciamento de novas detecções.

O que essa descoberta significa para um cidadão comum?

Assim como aconteceu após Galileu, as ondas gravitacionais são uma outra revolução no conhecimento humano. Elas vão causar novas revoluções e invenções. É o que a gente espera.

Como uma viagem no tempo?

Viagem no tempo existe —para o futuro, não para o passado, pelo menos por enquanto. Mesmo o Kip Thorne [um dos fundadores da colaboração Ligo e consultor do filme "Interestelar"] não tem certeza se pode haver uma viagem para o passado, e ele estudou a questão com profundidade.

E saber se houve o Big Bang?

A amplitude da "marola" gravitacional seria pequena, mas dá para descartar modelos [de origem do Cosmo] que não preveem o Big Bang, que teriam ondas mais intensas.

Como vocês descobriram se tratar de dois buracos negros e não alguma outra coisa?

Por causa do sinal, que tem uma variação e uma forma. Foram vários testes. A combinação que mais se encaixou foi a de dois buracos negros, com 29 e 36 massas solares.

O achado vai render o Nobel?

Pelo histórico, há uma certa cautela para a descoberta ser confirmada. Se a detecção de sinais continuar, talvez ainda esse ano.

Qual foi a participação dos brasileiros no estudo?

São seis membros no Inpe [além do Riccardo Sturani, italiano baseado na Unesp]. São duas frentes: uma no isolamento vibracional e no resfriamento dos espelhos e outra na caracterização dos ruídos, que permite a extração do sinal "real" das ondas. Essa área foi liderada pelo César Costa, também do Inpe.

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RAIO-X DE ODYLIO AGUIAR

Idade:
62 anos

Formação:

>Graduação em engenharia eletrônica pelo ITA (1978)
> Mestrado em astrofísica pelo Inpe (1983)
> Doutorado em detecção de ondas gravitacionais (1990), na Universidade do Estado da Louisiana

Atuação:

Estuda detectores de ondas gravitacionais e é o responsável pelo detector nacional Mario Schenberg, que ainda está em aperfeiçoamento


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