Folha de S. Paulo


Astrônomos da Babilônia já usavam geometria para rastrear Júpiter

Os antigos astrônomos babilônios já usavam gráficos geométricos para calcular a posição dos planetas 1.400 anos antes de a técnica ser "redescoberta" por matemáticos no Ocidente.

A revelação foi feita pelo arqueoastrônomo Mathie Ossendrijver, da Universidade Humboldt, em Berlim, e ganhou a capa da última edição do periódico científico americano "Science".

A descoberta se deu a partir da análise de quatro tabletes praticamente intactos que foram inscritos na Babilônia entre 350 e 50 a.C. A próspera cidade mesopotâmica se localizava onde hoje é a região central do Iraque, no Oriente Médio.

Nos tabletes analisados por Ossendrijver, constam informações para a construção de um gráfico que representa o avanço da posição do planeta Júpiter pelo céu depois de 60 e 120 dias, a contar do momento em que ele primeiro nasce no horizonte.

Jupiter babel

A técnica, além de demonstrar elevado grau de abstração, é um passo intermediário fundamental para o posterior desenvolvimento do cálculo -procedimento matemático que, até onde se sabe, foi totalmente desenvolvido pela primeira vez, de forma independente, por Isaac Newton e Gottfried Leibniz, no século 17.

O gráfico a que se referiam os astrônomos babilônicos não representava o espaço real, mas a relação abstrata entre duas quantidades: a velocidade com que o planeta Júpiter se deslocava, num dos eixos, e a passagem do tempo em outro.

Nesse sentido, eles aplicavam a geometria à astronomia de forma diversa da que se faria mais tarde na Grécia Antiga.

"Astrônomos gregos antigos como Aristarco de Samos, Hiparco e Cláudio Ptolomeu também usavam métodos geométricos", diz Ossendrijver.

"Entretanto, os procedimentos babilônicos são geométricos num sentido diferente dos métodos dos astrônomos gregos citados, já que as figuras geométricas descrevem configurações não no espaço físico, mas num espaço matemático abstrato definido por tempo e velocidade."

CONEXÃO COM O PASSADO

Entender os conceitos astronômicos dos antigos mesopotâmicos equivale a investigar as raízes da própria astronomia ocidental.

"Partes da astronomia babilônica foram traduzidas para o grego", disse Ossendrijver à Folha. "Mas outras partes parecem ter sido esquecidas e depois foram inventadas uma segunda vez, o que inclui esse método geométrico."

Embora muitas de suas contribuições originais tenham chegado até os dias de hoje "de segunda mão", o impacto do trabalho desses antigos astrônomos ressoa até hoje.

Atribui-se à Mesopotâmia o berço de algumas das mais antigas constelações, e o próprio conceito do zodíaco _a faixa de constelações localizada no plano em se deslocam o Sol, a Lua e os planetas.

Também nasceria ali a prima supersticiosa da astronomia, a astrologia, na forma como é praticada no Ocidente atualmente. "Mas os tabletes astronômicos não revelam nenhuma ideia religiosa ou astrológica por si mesmos", diz Ossendrijver.

O entendimento dos historiadores sobre a astronomia dos babilônios ainda é bastante fragmentado, baseado quase totalmente em tabletes remanescentes similares aos estudados por Ossendrijver. E não vai ser fácil avançar nessa compreensão, mesmo com muitos tabletes ainda por serem decifrados.

"Os tabletes babilônios raramente dizem como e por que eles inventaram um certo método ou algoritmo", disse Ossendrijver à Folha. "Isso é o que temos de reconstruir ao comparar seus dados empíricos com as teorias com eles os construíram, o que é uma tarefa difícil. Diferentemente dos antigos astrônomos gregos, os babilônios não discutem com frequências suas derivações ou tentam anotar provas [de seus teoremas]."

E o que é mais empolgante: vai saber o que mais ainda aguarda ser descoberto nas relíquias babilônias guardadas em instituições espalhadas pelo mundo. "Ainda há muitos tabletes astronômicos da Babilônia em lugares como o Museu Britânico que não foram traduzidas e analisadas", diz Ossendrijver. "Ninguém esperava encontrar o tipo de computação que foi agora publicada na 'Science'. Isso pode muito bem acontecer novamente no futuro."


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