Folha de S. Paulo


Antropólogos acham 12 esqueletos de vítimas de guerra pré-histórica

O berço da humanidade parece ter sido seu primeiro campo de batalha. Na região africana onde foram achados os mais antigos fósseis do Homo sapiens, antropólogos encontraram os esqueletos de até 12 pessoas mortas a flechadas e golpes de porrete há cerca de 10 mil anos.

A descoberta está sendo considerada o mais antigo registro de uma guerra entre membros de nossa espécie.

Ao descrever seus achados na revista "Nature", a equipe liderada por Marta Mirazón Lahr, da Universidade de Cambridge, entra num debate espinhoso: quais são as raízes da violência letal entre grupos de seres humanos?

Há quem defenda que a guerra só teria nascido com o surgimento da agricultura e da vida sedentária, quando certas tribos passaram a ter bens permanentes que podiam ser tomados à força.

Infográfico: Marcas da violência

No entanto, dez milênios atrás, a região da chacina (as margens do lago Turkana, entre o Quênia e a Etiópia) era habitada apenas por caçadores-coletores, ou seja, povos com estilo de vida pré-agrícola e altamente móvel.

"Isso sugere que pelo menos duas das condições normalmente associadas às guerras, ou seja, luta por território e/ou recursos, já existiam entre os caçadores-coletores", diz Marta, que se formou em biologia pela USP e foi professora na universida antes de ir para Cambridge. "O fator determinante das guerras teria sido a densidade das populações. Quando a população aumenta a ponto de os recursos não serem suficientes, haverá competição e conflito."

A pesquisadora explica que marcas de violência interpessoal já foram encontradas diversas vezes em fósseis de hominídeos (membros da linhagem humana), alguns bem mais antigos que os descritos agora.

No entanto, como eram casos isolados, nunca era possível saber se os ferimentos derivavam de um combate entre grupos ou de uma simples briga.

SEM COVA

Por conta disso, o sítio queniano de Nataruk chama muito a atenção. Os esqueletos não parecem ter sido enterrados –tudo indica que as vítimas foram abatidas e simplesmente jogadas na parte rasa de uma laguna que se formava na área em fases de chuva intensa.

O catálogo das atrocidades cometidas em Nataruk pode ser reconstruído, em primeiro lugar, pela presença de pontas de pedra enfiadas no crânio ou em outras partes do corpo das vítimas, bem como por fraturas, cortes e amassamentos nos ossos.

Além disso, a postura de algumas das vítimas sugere que seus pés e mãos foram amarrados (veja infográfico). Uma das pessoas aparentemente imobilizadas era uma mulher que estava no último trimestre de gravidez.

Segundo Marta, as pequenas pontas de pedra enfiadas nos esqueletos devem ter sido de flechas, mas há indícios de que os atacantes usaram ainda flechas sem ponta (basicamente varetas afiadas), porretes de dois tamanhos diferentes e uma arma que provavelmente era um pedaço de madeira com lâminas inseridas nele, o qual provocou cortes profundos na face de duas das vítimas.

É justamente esse arsenal que leva a pesquisadora a suspeitar que a carnificina foi um ataque premeditado.

"A alternativa seria propor que se trata da reação normal quando dois grupos diferentes se encontram", diz. "Mas em Nataruk os atacantes tinham armas que não fazem parte do kit normal de caçadores-coletores que vão à caça, e que eram eficazes tanto de longe quanto de perto, o que sugere planejamento."

Outra peça do quebra-cabeças é a matéria-prima de duas das três pontas de flecha achadas entre os esqueletos: obsidiana, ou vidro vulcânico (isto é, formado naturalmente durante erupções).

Trata-se de um material que não existe na área da chacina, o que poderia indicar que os guerreiros atacantes tinham vindo de longe para tomar posse do território das vítimas.

Entre os mortos, metade eram mulheres, o que sugere que essa "conquista" não incluiu a captura de concubinas, algo comum em outras formas de guerra primitiva.

"No fundo, depende do objetivo do conflito", diz Marta. "Com a exceção de uma menina com idade entre 12 e 14 anos, não há crianças e adolescentes entre as vítimas. Nunca vamos saber se eles conseguiram fugir ou foram levados para longe."


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