Folha de S. Paulo


Hominídeos primitivos já tinham preferências estéticas renascentistas

Haveria algo em comum entre os refinados filósofos e artistas do Renascimento e da Grécia Antiga e os ancestrais remotos da humanidade que produziam machados de pedra aparentemente toscos há cerca de 500 mil anos? Todos tinham o mesmo gosto por certas proporções matemáticas, afirma um novo estudo.

Pode parecer maluquice, mas é o que um engenheiro britânico radicado no Brasil diz ter encontrado, após analisar instrumentos pré-históricos. O principal elemento que ele identificou nos célebres machados de mão do sítio arqueológico de Boxgrove (Reino Unido) parece algo saído de "O Código Da Vinci".

Trata-se do uso recorrente da chamada Proporção Áurea, uma relação matemática que está presente, por exemplo, nos elementos arquitetônicos que compõem o Parthenon, templo grego em Atenas.

"Nosso gosto moderno, nossas noções de beleza e design, foram herdadas de um passado profundo", resume Alan Cannell, o autor do estudo. Ele publicou as conclusões no periódico "Journal of Lithic Studies", voltado para pesquisas sobre antigas tecnologias líticas (ou seja, de pedra).

IDADE DA PEDRA ATIRADA

Não é a primeira vez que Cannell encontra padrões insuspeitos no passado lítico da humanidade.

Fascinado pela pré-história, ele iniciou sua carreira de pesquisador com um artigo no qual argumentava que as mais antigas ferramentas usadas pelos membros da linhagem humana teriam sido pedras mais ou menos redondas de uns 500 gramas, arremessadas na direção de presas, predadores ou inimigos. Antes da Idade da Pedra Lascada, teria havido a Idade da Pedra Atirada, digamos.

Quanto ao novo estudo, vários pesquisadores já tinham abordado a aparente simetria cuidadosa do "design" dos machados de pedra pertencentes à chamada tradição acheulense, normalmente associada à espécie de hominídeo conhecida como Homo erectus. Os instrumentos achados em Boxgrove pertencem a essa tradição.

Cannell pediu a ajuda do Museu Britânico e do especialista Mathieu Leroyer para obter imagens de alta resolução dos instrumentos, em duas amostras diferentes, ambas com cerca de 15 machados. Na primeira, Leroyer selecionou exemplares que lhe pareciam representantes típicos dos instrumentos de Boxgrove. Na segunda, escolheu um número equivalente de artefatos ao acaso (numerando-os e sorteando-os).

Cannell pôs-se, então, a analisar o formato dos objetos e percebeu que quase todos tinham sido desenhados com base na chamada Elipse Áurea, uma forma da Proporção Áurea aplicada a essa figura ovalada (veja infográfico). Círculos quase perfeitos também costumavam estar presentes na base dos machados.

As mesmas proporções são empregadas hoje no formato de joias, lembra. "Há exemplos do mesmo formato em todo canto do mundo moderno. São aspectos do que significa ser humano que são muito antigos."

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Proporção áurea

HOMINÍDEOS DE OURO
Ferramentas de pedra teriam seguido proporção venerada por mestres da Renascença

O que é a proporção áurea?
Um jeito relativamente fácil de entender essa proporção é dando uma olhada na figura ao lado

Ela está dividida em dois pedaços, a e b. A proporção áurea deriva do fato de que a razão entre a soma a + b e o pedaço maior, o a, é igual à razão entre o pedaço maior e o menor b

A razão áurea também pode ser representada por um número -aproximadamente 1,618

Proporção áurea

Por que ela se tornou famosa?
Desde a Grécia Antiga, há cerca de 2.500 anos, matemáticos e artistas usam essa proporção para desenhar figuras geométricas e grandes obras de arte, como o Partenon, mais célebre templo pagão de Atenas. Acredita-se que ela seja especialmente agradável para o olhar humano, talvez por espelhar certas proporções da natureza

Pedra áurea

Pedra
Uma nova análise estudou os machados de pedra de 500 mil anos encontrados em Boxgrove, no Reino Unido, um dos conjuntos mais famosos de artefatos produzidos por humanos pré-históricos

Elipse
Pelo formato dos machados de pedra, a ideia era ver se eles tinham relação com a Elipse Áurea -ou seja, a Proporção Áurea em figuras de elipses. Nesse caso, a razão entre o eixo maior e o menor da elipse é de cerca de 1,618

Resultado
Em geral, os artefatos de Boxgrove se aproximam de uma Elipse Áurea, o que pode sugerir que a preferência estética por essa proporção é extremamente antiga


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