Folha de S. Paulo


Paleontólogos acham fósseis no PI e no MA da chegada dos vertebrados aos continentes

Juan Cisneros
Crânio e parte do esqueleto do anfíbio, encontrado em Timon (MA)
Crânio e parte do esqueleto do anfíbio, encontrado em Timon (MA)

Em camadas geológicas do interior do Piauí e do Maranhão, paleontólogos acharam pistas sobre um dos momentos mais épicos da evolução dos seres vivos: a chegada dos vertebrados aos continentes, depois de centenas de milhões de anos de vida no oceano.

É verdade que os bichos descobertos no Nordeste pela equipe internacional ainda tinham uma relação muito próxima com a água. Três deles são anfíbios (um dos quais mais parece uma enguia com patinhas), parentes muito distantes dos atuais sapos e salamandras. Outro dos animais é um réptil primitivo que lembra os lagartos atuais.

As criaturas viveram durante o começo do período Permiano, há 280 milhões de anos, num ambiente que abrigava um conjunto de lagos alcalinos (como os de certas áreas do leste da África hoje) e florestas com árvores muito diferentes das atuais (as plantas com flores, que dominam o planeta hoje, ainda não tinham surgido).

Os fósseis estão descritos em artigo na "Nature Communications" por Juan Carlos Cisneros, da Universidade Federal do Piauí, e colegas.

LACUNA SANADA

Não é muito exagero dizer que os achados equivalem à descoberta de um mundo perdido –ou, pelo menos, meio mundo perdido. Acontece que a colonização dos continentes pelos vertebrados só era conhecida a partir de fósseis achados na América do Norte e na Europa, explica Cisneros. "Gondwana continuava uma incógnita."

"Gondwana", no caso, é o termo usado para designar um vasto supercontinente que englobava América do Sul, África, Antártida, Austrália, Índia e Madagáscar. "A única coisa que conhecíamos do nosso supercontinente eram pequenos répteis marinhos."

Para complicar a situação, Gondwana à época estava localizada no polo sul e foi fortemente atingida por uma glaciação. "Por esses motivos, não se sabia a partir de que momento Gondwana teria as condições ambientais apropriadas para abrigar uma fauna de vertebrados terrestres", diz Cisneros.

As descobertas resolvem de vez essa dúvida, mostrando que as terras do Piauí e do Maranhão continham florestas luxuriantes e uma fauna diversificada de anfíbios primitivos, todos pertences a um grupo de nome impronunciável, os temnospôndilos.

o mundo perdido

O menorzinho era o Timonya anneae, de apenas 40 cm, de corpo e cauda alongados e membros rudimentares. Essa anatomia indica que o bicho passava todo o tempo nadando nos lagos da região, o que levou os pesquisadores a proporem que ele possuía guelras, semelhantes às de certas salamandras atuais que adotam o mesmo estilo de vida.

Ocupava um degrau um pouco mais elevado na cadeia alimentar o Procuhy Nazariensis, de até 80 cm. Procuhy significa algo como "sapo de fogo" na língua indígena timbira, uma brincadeira com as rochas onde os fósseis do animal foram achados, a chamada formação Pedra de Fogo. De sapo, na verdade, o bicho não tinha muito, lembrando mais uma salamandra particularmente parruda. Seus hábitos provavelmente também eram aquáticos.

Não foi possível identificar com precisão a espécie à qual pertencia o maior dos anfíbios achados na região, já que os pesquisadores só conseguiram resgatar parte do crânio dele. O máximo que se pode afirmar é que ele pertencia ao grupo dos rinesuquídeos, bichos que, algumas dezenas de milhões de anos mais tarde, viveriam também no atual Paraná. Esse animal media 1,5 m ou mais, lembrando vagamente um pequeno jacaré (embora não fosse réptil, é claro).

SOTAQUE COUNTRY

Um dos detalhes mais esquisitos das descobertas, ao menos do ponto de vista brasileiro, é o fato de o Timonya e o Procuhy serem parentes próximos de bichos que viveram nos Estados americanos do Texas e de Oklahoma. De quebra, um réptil encontrado pela equipe, o Captorhinus aguti, pertence a uma espécie identificada anteriormente nos EUA.

"Embora os continentes estivessem unidos naquele tempo, e a América do Norte estivesse colada na América do Sul, existia uma cadeia de montanhas entre elas, resultado da colisão das massas continentais", diz Cisneros. A ideia agora é tentar explicar como os animais conseguiram cruzar essa barreira.


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