Folha de S. Paulo


Análise

Descoberta do Nobel de química já está consolidada e é ensinada até na graduação

Às vezes o Nobel vai para pesquisas recentes, "promessas", que ainda não estão totalmente incorporadas ao repertório das disciplinas. Foi o caso do próprio na área de química de 2014, para um novo tipo de microscopia.

Em outros casos, a láurea é um reconhecimento à colaboração de teorias ou descobertas que já estão incorporadas a todos os livros, sendo ensinadas inclusive nos cursos de graduação.

É o caso do reparo do DNA, que rendeu o Nobel de Química de 2015 para três cientistas.

A descoberta deles tem dois grandes chamarizes.

Um é o câncer. A falha dos mecanismos descritos pelo trio está diretamente relacionado com o surgimento da doença nos indivíduos (convenhamos que câncer tem um grande apelo midiático).

O outro é o aprimoramento na compreensão da evolução das espécies.

Por um lado, mutações no DNA permitem várias mudanças para o bem. Elas facilitam a adaptação a diferentes ambientes e ampliam a variabilidade e por conseguinte a resistência da população de uma espécie, por exemplo.

O mais provável, no entanto, é que as mutações façam algo dar errado.

Uma mudança deletéria pode fazer uma proteína imprescindível para a vida simplesmente não funcionar.

Isso fez com que, em termos evolutivos, tão importante quanto as mutações foi a capacidade dos organismos de desenvolverem modos de consertá-las.

O reparo de DNA, assim, muito mais do que um luxo, foi uma necessidade.

RNA

Outra questão evolutiva importante nessa área é por que utilizamos o DNA como maneira de guardar informações genéticas, em detrimento do RNA.

Isso porque o RNA é uma molécula simples e multifuncional: ele também pode fazer as vezes de enzima, acelerando reações químicas importantes para a vida.

A resposta provavelmente está na estabilidade. Por incrível que pareça o DNA é uma molécula muito estável e pode durar milhões de anos.

Veja o exemplo da ciência forense, que mesmo décadas depois de um crime pode recolher uma amostra de sangue e identificar uma vítima ou um suspeito. Qualquer RNA já teria há muito tempo sido degradado.

Outro exemplo são fósseis de milhões de anos, cujo DNA serve para descobrir em que galho da árvore da vida a criatura pode ser pendurada.

Em resumo, para chegar onde chegamos, além de dispormos de uma nova biblioteca (DNA em vez de RNA) tivemos de contratar bibliotecários-escribas (enzimas reparadoras) para mantê-la funcionando.

Se a estrutura da biblioteca não funcionar mais (morte do organismo), pelo menos os livros ainda permanecem por um bom tempo bem preservados –embora não sejam mais folheados–, para a alegria de futuros arqueólogos e paleontólogos.

Premio Nobel


Endereço da página:

Links no texto: