Folha de S. Paulo


Foi prematuro terem me dado um prêmio Nobel, diz Eric Betzig

Para o ganhador do Nobel de Química do ano passado, seu prêmio foi prematuro.

"Com a microscopia de super-resolução, nós ainda não desvendamos um problema-chave em biologia que não pudesse ter sido abordado através de outros métodos", diz o americano Eric Betzig.

O comitê do Nobel justificou o prêmio por possibilitar o avanço da investigação da pesquisa sobre Alzheimer e Parkinson. No entanto, críticos apontam que não deu uma contribuição que não pudesse ter sido feita pelos métodos mais tradicionais —e Betzig concorda.

Veja abaixo a entrevista que ele deu à Folha.

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Folha - O senhor disse que a microscopia de super-resolução ainda não trouxe grandes contribuições para a biologia celular. Teria então o prêmio Nobel sido precipitado?

Eric Betzig - Eu acho que o prêmio foi prematuro. Com a microscopia de super-resolução, ainda não desvendamos um problema-chave em biologia que não pudesse ter sido abordado por outros métodos. Nós aprendemos muito e já otimizamos bastante a técnica, mas ainda é cedo.

Como o senhor se sente, então, com relação ao prêmio?

Num certo sentido, se eu não tivesse ganhado o prêmio Nobel, minhas críticas sobre as limitações de diversos métodos de microscopia seriam vistas apenas como amargura. Mas porque eu ganhei o prêmio, as pessoas têm interesse em ouvir o que eu tenho a dizer.

Então a melhor parte de ter o Nobel é que as pessoas se interessam em ouvi-lo?

Exatamente. Mas isso quer dizer também que você tem que ter um cuidado danado com o que você tem a dizer. Não vou fazer como outros laureados que assinam, por exemplo, declarações sobre as mudanças climáticas.

Isso porque eu não vou colocar o peso do meu nome em algo em que eu não tenho conhecimento científico suficiente. E parece que querem que usar sua reputação em todas as causas.

Infográfico

Como nasceu a ideia do microscópio?

Tive a ideia quase dez anos antes, enquanto empurrava o carrinho de bebê da minha filha. Foi logo após eu estar frustrado e ter pedido demissão do laboratório em que trabalhava. Eu escrevi um artigo com a ideia, mas não sabia como colocá-la em prática. Depois de um tempo ouvi falar da proteína verde fluorescente, aí funcionou.

E foi construído na casa do seu melhor amigo enquanto estavam ambos desempregados...

Harald tinha muitos instrumentos de óptica guardados em casa. Ele não era casado, então escolhemos a casa dele. Tivemos que colocar dinheiro próprio. O processo levou pouco mais de seis meses. Foi um golpe de sorte incrível.

Algumas pessoas veem golpes de sorte como a divina providência. Qual é sua visão?

Sou agnóstico, tendendo ao ateísmo. É como disse o velho Pascal —ou outro desses caras—, a sorte favorece os preparados. É a tal frase: "Trabalhar bastante determina se você vai ter sucesso na vida; a sorte, no quê".

Editoria de arte/Folhapress

O senhor mencionou bastante Hess em sua palestra na entrega do prêmio Nobel.

Ele é meu melhor amigo, além de ser o mais inteligente físico experimental que já conheci. Harald fez contribuições-chave que culminaram em três prêmios Nobel: pelo condensado de Bose-Einstein, pela rede de vórtices de Abrikosov e pelo nosso.

Ficou de fora de todos porque é muito humilde e não é um palestrante dinâmico. Parece que na ciência há um bônus para os que são bons comunicadores, em detrimento da qualidade do trabalho.

O que esperar da microscopia de super-resolução no futuro?

Precisamos conseguir observar em detalhes a célula viva dentro de seu meio natural. É aí que os processos celulares mais fundamentais acontecem. Com isso, teremos os alicerces para a compreensão da biologia celular.

Que conselho o senhor daria a países como o Brasil, onde há pouco dinheiro para a ciência?

Dinheiro não é tudo. Você aprende a criar soluções inteligentes. Às vezes, a necessidade é a mãe da invenção. É um pé no saco trabalhar com pouco dinheiro, mas na minha opinião, a maioria dos acadêmicos é altamente ineficiente com dinheiro.

O senhor dedicou sua palestra do prêmio Nobel a todos que "arriscaram tudo o que tinham, mas fracassaram".

É muito amargo encarar o fracasso. Mas no final você percebe que os acertos que vieram depois foram bastante inspirados pelo que você aprendeu com seus erros.

DÉBORA ANDRADE fez o 3º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, patrocinado pela Pfizer


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