Folha de S. Paulo


Enganar jornalistas é fácil, diz cientista

Jornalistas são fáceis de enganar, afirma com conhecimento de causa o americano John Bohannon, doutor em biologia molecular e ele próprio um jornalista.

Bohannon, 41, ficou um pouco mais famoso recentemente por falsificar um estudo dizendo que chocolate poderia ajudar no emagrecimento, inventando até mesmo um instituto de pesquisa.

O resultado foi parar na capa do Bild, o principal jornal popular da Alemanha, junto do acidente com o avião da Germanwings, e apareceu em veículos de mais de 20 países.

"Quem tem de levar a culpa são os editores. Eles é que precisam impor que o jornalismo seja feito da forma tradicional: verificando informações e conversando com várias fontes", disse ele à Folha.

"Nenhum jornalista que ligou para tratar do estudo me fez perguntas sobre estatística ou desenho experimental."

O segredo para fazer a mutreta é uma artimanha estatística que muitos pesquisadores praticam (mesmo sem querer).

Hall da Fama da Ciência

Quando um estudo é planejado, são decididas as variáveis que serão medidas e, com um teste estatístico (modo matemático de analisar se uma causa pode realmente ser associada a um efeito), é medida a chance de aquelas variáveis terem sido modificadas por conta de um tratamento –uma dieta, por exemplo.

No entanto, cada teste possui uma pequena chance, digamos, 5%, de dar uma resposta errada –atribuir à dieta um efeito que ela não tem.

É uma loteria do azar. Quanto mais bilhetes (variáveis), mais chances de que a mudança em alguma delas seja erroneamente associada a uma intervenção (ou dieta, no nosso exemplo).

Bohannon pegou dois grupos de pacientes, escolheu um bom punhado de variáveis (18) para medir e "hackeou" a estatística–a chance de ele encontrar pelo menos uma diferença entre o grupo que comeu chocolate e aquele que teve uma dieta livre (não há detalhes disso no artigo) era igual a 60%.

Ele apostou e tudo deu certo. O próximo passo foi achar uma revista para publicar o artigo. Sem problemas: ele mesmo havia confeccionado uma lista de editoras e revistas supostamente científicas, mas em que basta pagar para ter estudos publicados.

Até o instituto de pesquisa era falso: "Institute of Diet and Health" (Instituto de Dieta e Saúde, supostamente localizado em Mainz, na Alemanha). Um site na internet foi criado para dar um ar de credibilidade e ele trocou o primeiro nome: assinou como Johannes.

Depois foi fácil: divulgou um comunicado à imprensa com tudo que um jornalista em busca de uma história fácil quer –frases, contexto e resultados espantosos. "São como caixinhas que um repórter tem de preencher."

Revistas, sites e jornais do mundo todo replicaram a "novidade". Ao contar a história no site io9, ele se orgulha ao dizer que enganou milhões.

Bill Cameron/BLM
John Bohannon posa em cima do grupo de dança Black Label Movement, com quem já se apresentou
John Bohannon posa em cima do grupo de dança Black Label Movement, com o qual já se apresentou

O objetivo de Bohannon era mostrar que a mídia especializada em dietas não tem critérios muito elevados. Além disso, mais que culpar a imprensa, queria mostrar que o fato de um artigo científico estar publicado em uma revista internacional com nome pomposo não quer dizer nada.

MILLIDARWINS E COREOGRAFIAS

Além de tripudiar sobre a imprensa e as revistas científicas duvidosas, Bohannon se embrenhou em outras atividades, como promover o concurso "Dance sua Tese" e criar um ranking para saber quem são os cientistas mais famosos –o Hall da Fama da Ciência.

A iniciativa virou um banco de dados interessante e usa a "fama"–citações em publicações entre os anos 1800 e 2000– de Charles Darwin como base.

Dividindo esse número de aparições por 1.000, surge a unidade de fama científica milliDarwin (mD).

Por exemplo, o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell é mais famoso que o próprio Darwin, com 1.500 mD de fama.

Einstein tem fama próxima a do naturalista, com 878 mD, e o polêmico evolucionista Richard Dawkins fica ainda um pouco longe desse patamar, com 90 mD. Ele é um dos vivos mais bem colocados, mas perde de lavada para Noam Chomsky, primeiro lugar.

O linguista e filósofo americano tem 507 mD de fama, mas, segundo Bohannon, não parece apreciá-la. "Liguei para ele para contar a novidade e ele não gostou muito de saber. Parecia até mesmo um pouco rabugento."

Contra o rigidez acadêmica, Bohannon criou o concurso artístico-científico "Dance sua Tese", no qual desafia cientistas a explicarem seus trabalhos com pequenas coreografias. A disputa recebe anualmente participações de várias países do mundo.


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