Folha de S. Paulo


Plataforma on-line poderá ajudar a prever epidemias

Não é só para visualizar sua casa ou planejar as próximas férias que servem as informações disponíveis em sites como o Google Earth.

Segundo Rebecca Moore, 59, chefe de engenharia do Google que esteve recentemente no Brasil, os "filhos" do programa que ela gerencia –o Google Earth Engine e Google Earth Solidário – podem ajudar no monitoramento de florestas, na proteção de terras indígenas, no resgate em desastres naturais, como o furacão Katrina e os terremotos no Nepal, e na prevenção de doenças como malária e dengue.

O "engine" é a plataforma de monitoramento on-line do planeta que reúne dados de satélite e ferramentas para análise dessas informações.

No Brasil, há parcerias com a tribo suruí, no Amazonas, e a ONG Imazon, que monitora o desmate na Amazônia.

Confira abaixo trechos da entrevista.

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Folha - Como você concebeu o Google Earth Solidário?
Rebecca Moore - O projeto nasceu no meu quintal. Eu moro em Santa Cruz, no norte da Califórnia, onde há muitas sequoias. E, em 2005, surgiu uma proposta para cortar milhares de hectares dessas árvores, mas o aviso enviado às pessoas era incompreensível.

O Google Earth tinha surgido dois meses antes, e pensei que poderia usá-lo para entender o que o governo estava propondo. Estudei o projeto, refiz o mapa e ficou claro que aquilo era uma má ideia.
Quando mostrei meu mapa para as pessoas do bairro, criamos um grupo e usamos o programa para educar a população e o governo.

Isso chamou muita atenção da imprensa na época. Várias ONGs começaram a nos procurar e pedir que ensinássemos a usar as ferramentas de monitoramento. Hoje, atendemos mais de 6.000 ONGs em todo o mundo.

E de que maneira o Google Earth passou a ser usado também em desastres?
Uma coisa que fez com que o uso do Google Earth se expandisse foi o furacão Katrina. O governo americano estava coletando imagens com aviões e pensando num jeito de compartilhar as informações para agilizar o resgate. Então eles vieram até nós.

Nossa equipe passou a publicar essas imagens, e a Guarda Costeira americana usou nosso programa. As pessoas estavam presas nos telhados e ligavam nos centros de emergência dizendo seus endereços. Com o Google Earth, "sobrevoávamos" o local, conseguíamos a latitude e longitude e ligávamos para o piloto do helicóptero.

Hoje o programa também está sendo usado no Nepal.

Fale sobre o uso do programa para a prevenção de doenças.
Ele serve para doenças que são transmitidas por mosquitos, porque a reprodução deles está ligada a fatores ambientais. O Google Earth Engine recebe novas imagens a cada hora e dados como temperatura, precipitação, e você pode acrescentar suas próprias informações, como locais onde houve mais casos e epidemias no passado.

Com isso, criamos um novo modelo de prever em tempo real onde os mosquitos vão se reproduzir dali algumas semanas, e podemos relacionar isso com dados de onde as pessoas estão, quais casas receberam mosquiteiros, em que bairros as pessoas foram vacinadas.

Não é como se esses modelos não existissem antes, mas as informações eram velhas.

Isso já está sendo usado?
Um protótipo foi demonstrado no Vietnã em março, e em junho o projeto-piloto vai ser colocado em prática em Suazilândia, na África, para combater a malária.

Há algum projeto em vista para usar esse modelo na prevenção de dengue no Brasil?
A técnica serve para toda essa categoria de doenças. Ainda não tive contato com as instituições daqui, realmente espero que possamos ajudar o Brasil em breve.

Como essas informações sobre o planeta colocam pressão sobre os governos?
Tornar os dados do planeta acessíveis é muito benéfico para a sociedade. Se há ignorância, não é possível ter uma discussão pública vibrante e pressionar o governo.

O Imazon é um bom exemplo desse tipo de pressão, não?
Sim. Carlos Souza, do Imazon [ONG que monitora o desmatamento da Amazônia], foi o primeiro parceiro científico do Google Earth Engine. Ele veio até nós com um problema claro: estamos perdendo milhões de hectares por ano de floresta e é possível criar um monitoramento virtual, mas não tenho essa capacidade. Ele tinha a ciência, mas não a infraestrutura.

Era um momento de negociações do clima e falavam do desmate como uma causa importante da mudança climática. Acho que podemos, inclusive, ajudar a influenciar essas decisões.

No Brasil, o Google Solidário também tem parceria com povos indígenas. Como é isso?
Em 2007, fomos procurados pelo cacique Almir, da tribo suruí. Fizemos o treinamento com celulares para eles monitorarem a extração ilegal da madeira.

Neste ano, fomos convidados para repassar o sucesso deles a outras 15 tribos da Amazônia. Foram vários anos para medir a eficácia do projeto e aprender o que funciona. E agora sentimos que nossas ferramentas estão prontas para serem usadas por outras tribos.


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