Folha de S. Paulo


Cientistas demonstram capacidade dos bichos de prever terremotos

Aparentando certa conexão profunda com a natureza, animais conseguem "prever" catástrofes naturais, como terremotos e tsunamis.

Um novo trabalho propõe que há uma explicação científica: o atrito das placas tectônicas desencadearia fenômenos geofísicos que alteram a atmosfera de um modo detectável pelos animais.

Já existiam muitas evidências do fenômeno. Em 2005, quando um grande tsunami que atingiu a Ásia, muitos elefantes do Sri Lanka fugiram das terras mais baixas para outras mais altas, escapando da morte. Em 2010, sapos abandonaram uma lagoa na Itália cinco dias antes de um terremoto que provavelmente os exterminaria.

Como essas, há outras observações, boa parte em laboratório, de alterações do comportamento animal antes de um evento sísmico. No entanto, há certa fragilidade em confiar nessas observações já que não havia um método que permitisse reproduzi-las.

Um grupo de cientistas, entre eles o físico Jean Pierre Raulin, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, resolveu estudar o fenômeno.

Junto com Rachel Grant e Friedemann Freund, do Reino Unido e dos EUA, respectivamente, eles realizaram um "big brother" com aves e mamíferos do Parque Nacional de Yanachaga, no Peru, onde foi sentido um terremoto de magnitude 7 (forte) em 24 de agosto de 2011.

Usando nove câmeras armadilhas, que filmavam quando havia movimento, eles analisaram a presença de animais em um certo perímetro, a 900 metros de altitude. Conforme se aproximava o dia do terremoto, cada vez menos animais davam as caras para as câmeras. Isso começou a acontecer três semanas antes do terremoto. Na última semana, quase nenhum animal aparecia.

Os cientistas hipotetizam que os animais tenham procurado abrigo em terras mais baixas e seguras, fugindo daquele lugar rochoso, que seria mais susceptível ao tremor de terra.

Editoria de Arte/Folhapress
Terremoto e animais

COMO?

A pergunta óbvia é esta: como os bichos sabem?

A principal hipótese é que, quando uma placa tectônica começa a se enfiar debaixo da outra, a fricção causa a ejeção de íons, ou seja, de átomos eletricamente carregados, a partir do solo. Tal fricção começa antes do terremoto se efetivar.

Esses íons, normalmente moléculas de oxigênio eletricamente carregadas, são percebidos pelo sistema nervoso dos animais do local, que produz um aumento nos níveis sanguíneos de serotonina, um neurotransmissor relacionado à percepção dos estímulos ambientais.

Essa "síndrome de serotonina" causa confusão, tremores e agitação.

Os animais estudados por Raulin têm uma habilidade maior do que a de humanos de sentir que um terremoto vem por aí. Não é fácil dizer com precisão o que causa a diferença. Umas das razões pode ser ambiental: temos atualmente pouco contato direto com o solo.

"Humanos vivem isolados pelo concreto, longe do mesmo substrato que os animais. Assim, é esperado que o efeito em nós seja menor", afirma Rachel Grant, professora da Hartpury College, no Reino Unido, coautora do estudo.

É possível detectar, porém, os íons, especialmente por causa das perturbações que eles causam na ionosfera, porção da atmosfera que fica entre 60 e 600 km de altitude, por meio de antenas.

O problema é que nossas antenas não são tão boas quanto os animais: segundo Raulin, há muitos falsos alarmes –ou seja, a ionosfera se altera, mas nenhum terremoto acontece em seguida.

O objetivo dos cientistas é refinar os instrumentos para conseguir medições mais úteis –ou simplesmente seguir observando o comportamento dos animais.


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