Folha de S. Paulo


Em emergências, cupins não entram em pânico nem abandonam colegas

Os cupinzeiros gigantes das savanas africanas são tão peculiares que é tentador lhes dar nomes, como "Elefante que grita" ou "Totem da fertilidade flagrantemente óbvio".

Mas, qualquer que seja a metáfora, essas grandes formações dominam a paisagem, e não só visualmente.

Os cientistas estão descobrindo que os cupins e os seus habitats são cruciais para a saúde e a vitalidade de uma série de ecossistemas: de desertos e florestas tropicais ao parque perto da sua casa.

Will Burgess/Reuters
Escultura de sete metros representa cupinzeiro em Sydney, capital da Austrália
Escultura de sete metros de altura representa cupinzeiro em Sydney, na Austrália

Pesquisadores da Universidade de Princeton (Nova Jersey) relataram na revista "Science" que os cupinzeiros podem servir como um oásis no deserto, permitindo que as plantas ao seu redor sobrevivam com uma fração da precipitação anual que seria necessária ou se recuperem após uma seca fulminante.

Dessa maneira, os montes poderiam representar possíveis baluartes contra a mudança climática, impedindo a degradação de terras áridas. "Mesmo quando você vê um iní­cio de desertificação entre os cupinzeiros, a vegetação sobre ou ao redor deles se mantém bem", disse Corina Tarnita, professora em Princeton e coautora do estudo.

Os leigos costumam enxergar os cupins apenas como vermes brancos e cegos capazes de destruir os móveis da casa, mas a verdade é que apenas alguns das cerca de 3.000 espécies conhecidas de cupins são pragas para os humanos.

Muitos dos demais vivem e trabalham dentro da terra, e você deveria agradecê-los por ter um chão firme sob seus pés.

"Eles são engenheiros do solo", disse David Bignell, professor emérito da Universidade Queen Mary, de Londres.

Ao escavarem seus buracos, os cupins permitem que a chuva encharque o solo, em vez de escorrer ou evaporar.

Os cupins misturam areia, pedra e barro com pedaços orgânicos de folhas mortas, exoesqueletos descartados e eventualmente alguma cauda de esquilo, numa combinação que ajuda o solo a resistir à erosão e a reter nutrientes.

A viscosidade das fezes e de outras excreções corporais dos cupins conferem estrutura e coerência ao solo, o que também evita a erosão. As bactérias intestinais do cupim são capazes de fixar o nitrogênio, extraindo-o do ar e transformando-o em fertilizante.

"Os cupins são ótimos para a saúde do solo, da qual todo o resto depende", disse Bignell.

Os cupins também fornecem um modelo para compreender as origens da vida social, a divisão do trabalho e o comportamento abnegado e altruísta.
Em um novo estudo, pesquisadores do Centro Agrícola da Universidade Estadual da Louisiana concluí­ram que os cupins não entram em pânico ao serem perturbados.

Eles não iniciam uma correria com empurra-empurra nem pisoteiam os caídos.

Não se comportam como pessoas em um teatro lotado quando alguém grita "fogo", nem como formigas cujo formigueiro foi revirado.

Em vez disso, os pesquisadores descobriram que, ao chacoalharem discos plásticos com 110 cupins colocados em cima, os animais começavam a correr de forma ordenada.

Os operários entravam em uma formação de fila única.

Os da frente decidiam se virariam à esquerda ou à direita, e os outros seguiam com velocidade e espaçamento uniformes.

Os soldados se deslocavam para as laterais desse fluxo, batendo suas mandíbulas como que se preparando para uma batalha.

Se um cupim tropeçava ou se atrasava, os que vinham atrás paravam e esperavam o colega se endireitar.

Essa organização distingue cupins de outros insetos sociais mais famosos, as formigas.

"As formigas se amontoam e ficam retidas em saí­das ou cruzamentos. Mas não vi nenhum indício de egoísmo entre os cupins", explicou o entomologista Gregg Henderson, do Centro Agrí­cola da Universidade Estadual da Louisiana, co-autor do estudo publicado na revista "Insect Science".

Essa perfeição pode ser resultado da prática.

Os cupins, segundo Henderson, "foram os primeiros animais a formarem sociedades", há cerca de 200 milhões de anos.

Com a ajuda de bactérias simbióticas e de protozoários guardados em seus estômagos, os cupins prosperaram por comer o que os outros não conseguiam ou não queriam: madeira, esterco e até mesmo sujeira.

Os grandes cupins-artistas da África, construtores de grandes montes, cultivam um fungo em seus túneis e galerias.

Os cupins comem uma pequena porção dos esporos dos fungos e utilizam as enzimas desses organismos para auxiliar na quebra de fontes alimentares fibrosas.
Esses fungos parceiros, por sua vez, recebem água e alimento dos cupins, além de um refúgio ventilado, com temperatura regulada e livre de cepas concorrentes.

Os cupinzeiros também protegem seus construtores contra o sol, as chuvas sazonais e os predadores.

Os maiores cupinzeiros africanos podem medir até nove metros de altura. No Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, antí­lopes se reúnem em torno cupinzeiros, e não só pela possibilidade de pastar ali.

"Os montes são mais frios no calor do dia e mais quentes à noite", disse Robert Pringle, de Princeton, um dos autores do estudo publicado na "Science". "São locais muito agradáveis"


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