Folha de S. Paulo


Terra está cercada por material invisível que intriga cientistas

A matéria escura foi originalmente descoberta pelo efeito gravitacional que provocava em estrelas nas bordas das galáxias. Mas agora um trio de cientistas encontrou evidências de que ela também existe em quantidade apreciável na região interna da Via Láctea, a nossa galáxia.

O achado pode nos dar novas pistas do que é e de como detectar essa misteriosa substância, que aparentemente só interage com a matéria normal por meio da gravidade.

É essa baixa interatividade que lhe rendeu o apelido de matéria escura –e também é o que explica a dificuldade em identificá-la.

Editoria de Arte/Folhapress

ACHADO ASTRONÔMICO

As primeiras sugestões de que algo estava errado com a descrição tradicional da composição do Universo na década de 1930, quando pesquisadores começaram a estudar o movimento de aglomerados de galáxias.

A evidência só se tornou contundente, contudo, quando no fim da década de 1960 a astrofísica Vera Rubin fez a descoberta crucial: ela notou que as estrelas na periferia nas galáxias orbitavam em torno do centro galáctico mais rápido do que deveriam.

Isso só podia significar que havia um halo de matéria em torno da galáxia, além das últimas estrelas. Mas, ao observar essas regiões, não havia nada lá. Nada detectável, pelo menos. Era matéria escura.

Agora, o que dizer da presença dessa misteriosa substância no interior das galáxias, o que inclui a Terra?

O novo estudo, liderado pelo italiano Fabio Iocco, astrofísico do Instituto Sul-Americano de Pesquisa Fundamental e do Instituto de Física Teória da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em São Paulo, explica essa questão.

PONTO DE VISTA

O que os cientistas fizeram foi comparar as observações reais sobre o movimento das estrelas com o que se esperava delas tendo em mente somente a influência gravitacional da matéria visível ao seu redor.

A diferença entre trajetória esperada e real pode ser atribuída à influência da matéria escura. A conclusão é inescapável: também deve haver matéria escura neste pedaço do Universo, inclusive na região do nosso planeta.

"Nosso resultado é um passo firme: dizemos pela primeira vez com toda certeza, 'ela está lá'", disse à Folha Iocco, cujo trabalho foi publicado online nesta segunda-feira pela revista científica "Nature Physics".

Modelos teóricos já sugeriam que esse era mesmo o caso, e a confirmação é um primeiro passo importante para finalmente desvendar o enigma da matéria escura.

"O próximo passo, já em andamento, é fazer análises mais precisas da distribuição e do total de matéria escura por toda a Via Láctea", afirma Iocco.

Outro ponto importante é que a revelação aumenta a chance de detectarmos algum sinal da matéria escura na pesquisa de raios cósmicos. Já há alguns resultados sugestivos, mas de modo algum conclusivos, nesse sentido.

Os cientistas estão tentando, por exemplo, buscar sinais de aniquilação de partículas de matéria escura emanados do espaço. Um experimento a bordo da Estação Espacial Internacional tem registrado partículas que podem ser resultado disso.

"Pelo menos mostramos que a condição zero [para que se possa observar tal fenômeno], a presença da matéria-prima, está garantida", diz Iocco. "Mas, claro, isso não garante que os sinais que estão sendo observados sejam mesmo de matéria escura. Isso depende da natureza da matéria escura, que é basicamente desconhecida."


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