Folha de S. Paulo


Macaco mais velho das Américas teria atravessado o Atlântico, diz estudo

Fósseis amazônicos de 36 milhões de anos podem ser o mais antigo indício da presença de macacos nas Américas e, de quebra, fortalecem a ideia de que os ancestrais dos micos-leões cruzaram o Atlântico para chegar até aqui.

Embora os pesquisadores tenham descoberto apenas quatro dentes –molares superiores e inferiores–, os achados já foram suficientes para batizar uma nova espécie de primata extinto, o Perupithecus ucayaliensis.

"É possível inclusive estimar o tamanho com base nos dentes. A espécie seria similar aos saguis, com cerca de 0,5 kg", diz Ken Campbell Jr., do Museu de História Natural de Los Angeles, coautor do estudo sobre o bicho na revista científica "Nature".

O paleomacaquinho é "quase" brasileiro: foi achado na Amazônia peruana, mas a menos de 10 km da fronteira com o Brasil, na localidade de Santa Rosa. Além de Campbell Jr., paleontólogos de diversas instituições argentinas participaram da pesquisa.

Pode parecer meio maluco batizar uma espécie com base apenas num molar, mas coisas do tipo na verdade são rotina em estudos paleontológicos de mamíferos. É que as espécies do grupo em geral possuem dentição bastante especializada.

Editoria de Arte/Folhapress

"No caso dos primatas, isso parece ser suficiente para distinguir uma espécie da outra só com base nos dentes", diz o paleontólogo Mario Cozzuol, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Para Cozzuol, a estrutura dentária do bicho sugere uma dieta de insetos.

TRAVESSIA

Extraindo o máximo de informações dos molares, os paleontólogos verificaram que o P. ucayaliensis não se parece muito com os macacos sul-americanos modernos –mas lembra um primata da Líbia que viveu na mesma época, o Talahpithecus.

O dado bate com a hipótese dominante hoje sobre a origem dos macacos das Américas, segundo a qual eles teriam vindo da África para cá por mar, talvez "saltando" de ilha em ilha até cruzar de vez o Atlântico.

Parece absurdo, mas estudos com outros grupos de animais mostraram que isso é possível –basta que uma fêmea grávida encarapitada numa palmeira, por exemplo, seja arrastada para o mar aberto durante uma tempestade.

É relativamente comum que pedaços substanciais de terra virem "jangadas" oceânicas dessa maneira. Espécies de roedores e répteis da América do Sul também teriam tido origem semelhante, segundo biólogos.

Tais viagens pelo mar parecem ter acontecido, na verdade, em vários lugares do mundo, das Galápagos ao Havaí.

Até anfíbios, para os quais a água salgada do oceano costumar ser letal, já realizaram essas jornadas, seja em troncos ou quando a força da água na foz dos grandes rios lança para longe grandes pedaços de terra, verdadeiras ilhas flutuantes –ao longo de milhões de anos, isso acontece uma quantidade razoável de vezes.

Campbell, porém, é cauteloso. Ele diz que sua descoberta pode ser vista, ao mesmo tempo, como um "sim e não" para a ideia da gênese africana. "Os continentes estariam mais perto uns dos outros [dada a idade dos fósseis], mas sobreviver à travessia ainda seria difícil", resume.

Para Cozzuol, embora a espécie seja claramente primitiva, o calcanhar-de-aquiles é a datação. Isso porque ela depende da correlação com camadas geológicas e fósseis de outros locais do continente que, no caso do sítio de Santa Rosa, não é muito boa.

Nesse caso, a espécie poderia ser relativamente mais recente e próxima do registro mais antigo de primatas sul-americanos conhecido anteriormente, com 26 milhões de anos.


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