Folha de S. Paulo


Vida pode ter surgido no começo da história do Universo, diz astrônomo

Abraham Loeb, 52, chefe do departamento de astronomia de Harvard, é conhecido por sua criatividade. No banho, teve uma luz: ao menos no que se refere à temperatura adequada, a vida teve condições de aparecer logo após o surgimento do Universo.

Já está comprovado que "apenas" 15 milhões de anos após o Big Bang, quando se formaram as primeiras galáxias (o Universo tem 14 bilhões de anos), havia um tipo de radiação que deixou o Universo quente o suficiente para que houvesse a vida nos moldes como conhecemos.

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No ano passado, você publicou um artigo surpreendente que sugere que algum tipo de vida poderia ter sido possível no início do Universo, bilhões de anos antes de ter aparecido sobre a Terra. De onde veio essa ideia?
Abraham Loeb - Em uma manhã de um Dia de Ação de Graças, tive uma iluminação: quando as primeiras estrelas e galáxias se formaram, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas –que se originou cerca de 400 mil anos após o Big Bang– estava aproximadamente à nossa temperatura ambiente.
Assim, o Universo, cerca de 15 milhões de anos após o Big Bang, estava em uma temperatura confortável o suficiente para ter incubado a química da vida.
Percebi isso no chuveiro, como muitas vezes acontece. Visitas iam chegar de tarde. Então, perguntei para minha esposa se, em vez de ajudá-la com a refeição, poderia cuidar da louça depois. Isso me deu algumas horas.
O que descobri é que, se existissem planetas na época, eles poderiam ter sido esquentados pela radiação. Eles não precisariam ser aquecidos por uma estrela. E assim, a química da vida teria condições de ter começado bem mais lá atrás. O artigo que escrevi acabou recebendo muita atenção.

O que você acha da hipótese?
As pessoas estão interessadas. Historicamente, a cosmologia descreveu o Universo como cheio de objetos inanimados. Isso pode ser um equívoco. Talvez o Universo esteja cheio de vida. O problema é que a vida não produz uma grande quantidade de energia; é difícil de detectá-la.
Suponha que haja uma civilização extraterrestre num planeta perto de uma estrela não muito longe de nós, e suponha que houve uma guerra nuclear lá. Poderíamos vê-lo com os nossos telescópios? Não, mesmo com o mais poderoso dos telescópios contemporâneos.

Alguns dos seus trabalhos soam quase ficção científica...
Não é isso. A natureza pode ir muito além da nossa imaginação. O que eu procuro são questões interessantes de astrofísica que possam ser comprovadas. Embora minha pesquisa faça perguntas não convencionais, as respostas têm de ser baseadas em cálculos, experimentos e observações.

É possível para um astrofísico ser religioso?
Depende muito do que você diz com "Deus". Spinoza se sentiria muito confortável com a ciência porque, em sua filosofia, Deus é natureza. É praticamente a visão de Einstein também. Já se você crê que Deus não pode ser compreendido pelo pensamento racional, o conflito aparece.
O primeiro capítulo da Bíblia declara que houve um começo do tempo. A ciência demonstra que vivemos em um Universo em expansão, –se você extrapolar, houve um momento em que as coisas começaram. De certa forma, eles são consistentes.

Jared Leeds/"New York Times"
O astrofísico da Universidade Harvard Abraham Loeb, 52
O astrofísico da Universidade Harvard Abraham Loeb, 52

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