Folha de S. Paulo


Homem de 45 mil anos tem traço neandertal

A expressão "paixão antiga" talvez seja um bom jeito de definir a relação entre neandertais e membros da nossa espécie durante a Idade da Pedra.

O DNA de um Homo sapiens que viveu há cerca de 45 mil anos já possuia traços do cruzamento entre as duas espécies, o que indica que o "namoro" aconteceu numa época ainda mais remota.

Antes desse achado, não havia pistas claras sobre o momento da reprodução entre humanos e neandertais.

A mestiçagem poderia ser fruto da chegada do homem à Europa, 40 mil anos atrás, ou ter ocorrido há 100 mil anos, quando o Homo sapiens chegou ao atual Israel, vindo da África –uma passagem pelo Oriente Médio que parece ter sido temporária.

Editoria de Arte/Folhapress

O resultado, publicado na revista "Nature", é um marco porque vem do mais antigo genoma completo de um membro da linhagem humana obtido por cientistas.

"É uma sequência com alta qualidade de informações, comparável à que conseguimos sequenciando ["soletrando"] o genoma de pessoas de hoje", disse à Folha a coordenadora do novo estudo, Janet Kelso, do Instituto Max Planck, na Alemanha.

Para ter uma ideia, cada uma das "letras" químicas do DNA do indivíduo (um homem que viveu em Ust-Ishim, Sibéria) foi lida 42 vezes, em média. Por isso, embora os cientistas tenham descoberto só um fêmur desse homem, não há dúvidas de que ele pertencia à nossa espécie.

Os elementos químicos presentes no osso dão pistas até sobre a dieta do sujeito –bastante variada, incluindo vegetais, carne de caça e peixes de água doce.

O período em que ele viveu coincide com a fase de expansão do Homo sapiens, originalmente um primata africano, rumo aos demais continentes. Detalhes de seu genoma sugerem que ele pertencia a esses grupos pioneiros, porque parece ter parentesco igualmente próximo tanto com europeus quanto com asiáticos de hoje.

SEMPRE 2%

A proporção estimada de DNA neandertal no genoma do homem siberiano (2,3%) não é muito diferente da encontrada entre asiáticos (2,1%) e europeus (1,8%). Mesmo assim, é possível ver que, no caso do genoma mais antigo, a miscigenação tinha acontecido havia relativamente pouco tempo, porque os fragmentos de DNA neandertal no material genético do siberiano têm tamanho maior do que os existentes em pessoas de hoje.

Isso ocorre porque, na formação de espermatozoides e óvulos, o DNA dos pais de cada pessoa é "embaralhado", como cartas tiradas de dois baralhos e, depois, a mistura é dividida pela metade. Com o passar do tempo e de sucessivas divisões do baralho genético, os pedaços de DNA da linhagem materna e paterna vão ficando mais curtos.

Segundo Kelso, é possível usar o genoma extraído do fêmur para estimar o momento em que houve a mestiçagem entre homem e neandertal: teria sido entre 60 mil e 50 mil anos atrás, e muita gente acredita que o local do "namoro" foi o Oriente Médio, área de passagem para os humanos modernos que deixavam a África e ocupada por neandertais.

Isso imaginando que tenha havido só um episódio de miscigenação. "Trabalhos recentes mostram uma segunda fase de mistura, envolvendo os ancestrais dos atuais asiáticos, que fez com que os povos da Ásia de hoje carreguem um pouquinho mais de DNA neandertal", afirma a pesquisadora.


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