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Nobel de Química vai para microscopia que permite enxergar funcionamento das células

Diego Nigro/JC Imagem/Folhapress
William Moerner, ganhador do prêmio Nobel em Química, na Praia de Boa Viagem em Pernambuco
William Moerner, ganhador do prêmio Nobel em Química, na Praia de Boa Viagem, em Pernambuco

O cientista americano William Moerner estava em um hotel no Recife quando recebeu um telefonema de sua mulher, às 7h: havia recebido o Nobel de química.

Segundo afirmou ao site do Nobel, Moerner ficou sem saber o que fazer: ainda participaria, pela manhã, das atividades de um workshop sobre a interação entre a luz e a matéria na Universidade Federal de Pernambuco, mas acabou ficando no hotel para atender aos jornalistas.

"Muitas coisas mudam de repente quando você recebe notícias incríveis como essa, e estou muito feliz pelo reconhecimento do campo e dos cientistas em muitos lugares do mundo que contribuíram para esse esforço."

Editoria de arte/Folhapress

QUESTÃO DE TAMANHO

O prêmio deste ano em química foi dado a Moerner, da Universidade Stanford, e outros dois pesquisadores, Eric Betzig, do Instituto Médico Howard Hughes, e o alemão Stefan Hell, do Instituto Max Planck. Os três, trabalhando separadamente, superaram um limite da ciência estabelecido em 1873: quão pequeno pode ser um organismo vivo visto por um microscópio.

No século 19, o alemão Ernst Abbe encontrou o limite físico para a resolução da microscopia tradicional, que usa luz para formar imagens: 0,2 micrômetro, mais ou menos o tamanho de uma mitocôndria, uma estrutura interna de uma célula. Esse cálculo levou em conta o comprimento de onda da luz visível.

Assim, era possível ver o contorno dessas estruturas, mas não os processos químicos que acontecem dentro delas, muito menos vírus, que são ainda menores.

A alternativa disponível, a partir da década de 30, para registrar imagens dessas estruturas muito pequenas era usar microscopia eletrônica, que não trabalha com luz e sim com elétrons. O problema é que ela não pode ser empregada em estruturas vivas –o processo requer uma amostra estática e, na maioria das vezes, fatiada.

A solução foi usar fluorescência: fazer as moléculas das células brilharem e captar esse brilho de modo a aumentar o foco e a resolução do microscópio.

Em 2000, Stefan Hell desenvolveu um método que usa dois feixes de laser: um estimula o brilho de moléculas fluorescentes, e o outro elimina todo o brilho que não esteja na escala desejada.
Assim, é possível fazer uma varredura só no nível nanométrico (bilionésima parte do metro).

Betzig e Moerner criaram um método para estudar molécula por molécula, ligando e desligando o brilho em cada uma delas e registrando séries de imagens da mesma amostra. A sobreposição das imagens cria um registro de altíssima resolução.

Com o trabalho dos três, tornou-se possível ver como as células funcionam e o que acontece quando elas estão doentes. Hell, por exemplo, estudou as ligações entre os neurônios no cérebro; Moerner analisou proteínas ligadas à doença de Huntington e Betzig pesquisou a divisão celular em embriões.

No Brasil, como conta Leonardo Menezes, professor de física da UFPE que coordenou o evento do qual Moerner participou, poucos pesquisadores trabalham com essas técnicas. Na UFPE, foi construído um microscópio seguindo os conceitos de Betzig para estudar, entre outras coisas, propriedades de nanocristais.

Jonathan Nackstrand/AFP
Fotografia dos teês vencedores do Nobel de Química, Eric Betzig (esq.), Stefan Hell e William Moerner
Fotografia dos três vencedores do Nobel de Química, Eric Betzig (esq.), Stefan Hell e William Moerner

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