Folha de S. Paulo


Análise de DNA revela origem da diversidade de aves na Amazônia

A Amazônia é o lar de um quinto das espécies de aves do planeta, uma diversidade tão estonteante que ainda desafia os biólogos que tentam entendê-la.

Uma das explicações tradicionais é que os grandes rios da região criaram barreiras entre grupos dos bichos, levando-os a se transformar em espécies distintas com o passar do tempo. Mas um novo estudo indica que o processo real foi mais complexo.

Analisando o DNA de 27 tipos diferentes de aves da Amazônia e de regiões vizinhas, os pesquisadores dizem que, em geral, a origem de novas espécies não coincide com o surgimento de rios e de outras barreiras geográficas.

Eles apontam que fatores como a capacidade de deslocamento dos bichos pela paisagem, a antiguidade de suas linhagens e os vaivéns do clima teriam sido importantes para criar a superabundância de espécies amazônicas, de tucanos a periquitos.

A pesquisa está na edição desta semana da revista científica "Nature" e tem entre seus autores o brasileiro Alexandre Aleixo, do Museu Paraense Emilio Goeldi. Ele afirma que os padrões detectados no caso das aves provavelmente se aplicam a outros grupos de animais da maior floresta tropical do mundo.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

DO PANAMÁ A MARAJÓ

Justamente para levar em conta todos os processos geológicos que moldaram a Amazônia e seu entorno, o trabalho tem coautores da Venezuela e da Colômbia. O coordenador, Robb Brumfield, é da Universidade da Louisiana (EUA), onde Aleixo concluiu seu doutorado em 2002.

Depois de examinar o DNA de mais de 2.500 espécimes de aves, espalhados pela América do Sul e Central, montando uma espécie de árvore genealógica dos bichos, os pesquisadores verificaram que a ideia das barreiras geográficas como "produtora" de espécies era simplista.

"O rio Madeira, por exemplo, é uma barreira importante que separa várias espécies. A interpretação era que, quando o Madeira se formou, esses animais foram separados e as espécies surgiram", diz Aleixo. Isso teria acontecido uns 2,5 milhões de anos atrás, quando os rios da região assumiram mais ou menos suas feições atuais.

A análise de DNA, que pode ser usada como um "relógio" para estimar o tempo de separação entre as espécies, conta uma história bem diferente. A divergência entre as aves não parece acompanhar a época de origem das barreiras –só no caso do Madeira, por exemplo, dá para identificar de três a oito episódios de "divórcio" de espécies, em épocas diferentes.

Para Aleixo, uma das chaves para entender essa diversidade é a capacidade de dispersão dos bichos. "Para alguns, a barreira é mais permeável, e de qualquer modo ela nunca é absoluta."

Por um lado, isso parece óbvio, já que aves costumam saber voar, mas o biólogo lembra que 70% da diversidade de espécies da Amazônia corresponde a aves do sub-bosque, que vivem na parte mais baixa das árvores.

"A gente brinca que ave do sub-bosque é que nem rato", compara. "Elas têm fotofobia, sofrem para atravessar estrada, clareira –e rio, então, é mais difícil ainda." Já as que vivem na copa das árvores são mais aventureiras.

Isso ajuda a explicar por que as aves do sub-bosque são mais diversificadas –suas populações tendem a se isolar com mais facilidade, com ou sem rios. E, para ambos os tipos de bicho, outro fator importante parece ser a idade da linhagem –quanto mais tempo de existência, maior a diversidade de espécies que acaba aparecendo.

Finalmente, as variações climáticas também dão uma mãozinha, às vezes isolando grupos de aves em pequenos trechos de habitat favorável, enquanto a vegetação ficava mais aberta no entorno.

É esse ponto, aliás, que faz o biólogo se declarar pessimista em relação ao futuro da diversidade da Amazônia.

A combinação de mudanças climáticas e desmatamento tem potencial para deixar populações muito pequenas ilhadas, destinadas à extinção, sem que tenham oportunidade para se expandir e gerar novas espécies mais tarde, como ocorria no passado.


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