Folha de S. Paulo


CNPq analisará acusação de plágio em pesquisas sobre diabetes

Dois estudos de pesquisadores brasileiros retratados em maio sob alegação de plágio pela revista que os publicou no ano passado, a "D&MS" ("Diabetology & Metabolic Syndrome"), serão analisados pela Comissão de Integridade na Atividade Científica do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), informou a assessoria de imprensa do órgão.

A comissão tem atribuição legal de propor à direção do CNPq "ações cabíveis em caso de má conduta na execução ou publicação de pesquisas" por cientistas apoiados pelo conselho. Os dois artigos têm como co-autora uma bolsista do órgão, a endocrinologista Marilia Brito Gomes, professora da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

A pesquisadora era editora-chefe da "D&MS" desde a criação da revista em 2009. Ela deixou o cargo em 22 de maio, cinco dias antes da retratação dos dois trabalhos –ambos sobre diabetes na gravidez– com o registro de neles ter ocorrido "extensa coincidência" com trechos de outros estudos não apontados como fontes.

Fundada pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a "D&MS" é a publicação médica de maior fator de impacto do país, medida que reflete o grau de repercussão –e consequentemente, de prestígio– na comunidade científica internacional.

O CNPq não tem previsão de prazo para a análise do caso. Ainda nesta terça-feira (17), o encaminhamento do assunto para a comissão não havia sido informado ao seu representante das áreas de ciências biológicas e da saúde, Walter Colli, professor titular aposentado da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências.

SEM CONSENSO

Carlos Antonio Negrato, autor principal dos dois estudos, negou que ele e Marilia Brito Gomes tenham cometido plágio, e ressaltou que os trabalhos não são pesquisas originais, mas de revisão bibliográfica, que analisam dados e conclusões de outros artigos. Em entrevista por telefone no dia 4, ele disse seus textos têm informações semelhantes às de outras pesquisas que não foram consultadas.

Negrato destacou também que não houve consenso na decisão por parte da revista de retratar os dois artigos. Walter Minicucci, professor da Unicamp e presidente da SBD, afirmou que a sociedade discutiu o caso e endossa as afirmações do autor.

"Tomei parte da reunião da diretoria onde estavam presentes, pelo menos, sete membros. Somente um deles esteve contra a retratação", afirmou Daniel Giannella-Neto, professor da Universidade Nove de Julho, que na revista permaneceu no cargo de editor-chefe, que assumiu junto com Marilia Brito Gomes em 2009.

O editor-chefe ressaltou que as retratações se basearam nas diretrizes do Cope (Comitê de Ética nas Publicações) –entidade criada em 1997 por editores cientíticos– e em investigações realizadas pelo BioMed Central, que publica a "D&MS". Sediado em Londres, o grupo editorial integra o conglomerado alemão Springer Verlag, um dos maiores do mundo na área de revistas científicas.

RECLAMAÇÃO

As tratativas sobre o caso entre a revista, a SBD e o BioMed Central levaram cerca de oito meses após a reclamação de Mukesh Agarwal, professor de patologia da Universidade dos Emirados Árabes Unidos, de que dois trabalhos dele sobre o mesmo tema teriam sido plagiados pelos dois autores brasileiros.

Deborah Kahn, vice-presidente executiva do BioMed Central, informou por e-mail no dia 4 que "um software de detecção de plágio mostrou que uma quantidade significativa de material havia sido copiado literalmente de outras publicações".

Por entender que não houve má-fé por parte dos autores dos dois artigos, Domingos Malerbi, diretor da SBD, foi quem se pronunciou contrariamente às retratações na reunião mencionada pelo editor-chefe da revista. Segundo ele, falta um consenso internacional sobre definição de plágio que envolva não somente editores, mas também instituições científicas.

Para Malerbi, os critérios de definição de plágio adotados por muitos editores de publicações científicas deveriam ser revistos, e mais especialmente para artigos de revisão bibliográfica. Ele ressaltou que, devido à grande padronização da linguagem médica, nesse tipo de trabalho é muito grande a possibilidade de ocorrer trechos similares aos de estudos não consultados.

Walter Minicucci, presidente da SBD, informou que ele e a diretoria da entidade decidiram fazer uma apuração independente sobre o caso, mas ainda estão avaliando se para isso contratarão uma auditoria externa ou se criarão um comitê formado por especialistas.

Marilia Brito Gomes declinou no dia 4 de comentar as retratações e tem se recusado desde então a atender à reportagem. A UERJ, onde ela trabalha em regime de dedicação integral ao ensino e à pesquisa, não se manifestou desde essa data se tem conhecimento do caso e se cabe à universidade alguma ação.


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