Folha de S. Paulo


Biólogos descobrem novos ácaros brasileiros

Um dos bichos ostenta uma estilosa crista nas costas, que lembra a de certos dinossauros carnívoros; outro tem seu corpo recoberto de "velas" que o ajudam a planar de árvore em árvore. As criaturas, que mais parecem ter saído de um roteiro de ficção científica, são novas espécies de ácaros brasileiros, que estão sendo estudadas por biólogos da Unesp, com ajuda de colegas nos EUA.

Os cientistas do Brasil só obtiveram uma visão tão detalhada desses invertebrados graças a aparelhos do USDA (Departamento de Agricultura americano), entre os quais o chamado microscópio eletrônico de varredura em baixa temperatura, muito útil para mapear a anatomia de animais com menos de meio milímetro de comprimento.

No fim de 2013, dois doutorandos da Unesp de São José do Rio Preto, Elizeu Barbosa de Castro e José Marcos Rezende, em colaboração com Ronald Ochoa, do USDA, examinaram amostras de ácaros do Brasil com essa tecnologia.

DIVERSIDADE ÀS PENCAS

Trabalho para a dupla não deve faltar: embora 57 mil espécies de ácaros já tenham sido formalmente descritas pelos cientistas, calcula-se que a diversidade verdadeira do grupo seja ao menos dez vezes maior, com meio milhão de espécies. Castro diz já ter identificado cerca de 30 novos ácaros. "Não sei se vou conseguir descrever todos até o fim do doutorado", brinca.

Ele está estudando ácaros fitófagos (que se alimentam de plantas) do gênero Tenuipalpus, encontrados em diferentes tipos de vegetação natural. Uma das espécies novas, por causa da crista, foi apelidada de "espinossauro", em referência a um dos maiores dinossauros predadores que já existiram.

Já Rezende é o responsável por identificar o novo ácaro do gênero Excelsotarsonemus, achado em plantações de cacau da região de Ilhéus (BA), cujas setas (estruturas que lembram penas) ajudam a carregá-lo pelo ar, entre as copas das árvores.

"No Brasil, temos um conhecimento razoável sobre a fauna de mamíferos, aves, répteis e até insetos... Mas ácaros? Quem sabe? Podemos ter milhares de espécies desconhecidas", pondera.

Eric Erbe, Chris Pooley/USDA, ARS, EMU
Uma fêmea adulta do ácaro Tuckerella japonica, comumente achado em folhas de chá
Uma fêmea adulta do ácaro Tuckerella japonica, comumente achado em folhas de chá

Para conseguir imagens incrivelmente nítidas dos pequenos animais, como as que estão acima, é preciso seguir um processo quase artesanal. Primeiro, os ácaros recebem um banho de nitrogênio líquido, que os congela em questão de milésimos de segundo.

Depois, uma fina camada de platina é aplicada sobre o corpo desses ácaros, o que permite que o microscópio faça imagens detalhadas –em "preto e branco". O passo final é recolorir as imagens manualmente, com base na cor original dos ácaros vivos.

Segundo Castro, essa preparação permite ver não apenas os detalhes da morfologia de exemplares de diferentes espécies, preservados exatamente como são em vida, mas até "congelar" o comportamento dos mesmos. "Em alguns casos, dá para vê-los perfurando a folha da qual estavam se alimentando."

Poucos ácaros são considerados pragas agrícolas, segundo o biólogo. Diferentes grupos de ácaros formam comunidades ecológicas, compostas tanto por fitófagos quanto por predadores, micófagos (alimentam-se de fungos), comedores de detritos e vários outros.


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