Folha de S. Paulo


Grupo lança iniciativa para fomentar testes clínicos no Brasil

Um grupo de médicos, cientistas e pacientes lançou ontem em São Paulo uma espécie de "joint-venture" para incentivar os testes clínicos no Brasil. Batizada de Aliança Pesquisa Clínica no Brasil, a iniciativa pretende esclarecer a população sobre a importância dos testes clínicos e pressionar instâncias do governo a fomentá-los.

Apesar de ser uma das maiores economias do mundo e de ocupar a sexta posição no mercado global de medicamentos, o Brasil ainda tem uma participação modesta e pouco expressiva nos testes clínicos.

De acordo com o portal Clinical Trials, que reúne dados dessas atividades no mundo, o pais tem somente 2,32% –o equivalente a 3.447 estudos– entre os de 162 mil em andamento no planeta. Dos centros que realizam esses trabalhos em atividade no mundo, 1,4% está localizado no Brasil.

"O Brasil tem recursos humanos e centros de pesquisa que permitiriam que o país ocupasse uma posição muito melhor", avaliou o médico Jaderson Lima, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do comitê gestor da aliança.

Apesar de afirmarem não tentar apontar culpados, praticamente todos os presentes, além de profissionais na plateia, foram muito críticos à atuação do Conep (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa) e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) na liberação dos testes clínicos.

"O Brasil é o único país do mundo em que você passa por duas aprovações em ética", disse Irani Francischetto, também do comitê gestor da aliança.

Apesar das críticas duras, e já esperadas, de médicos e pacientes, Anvisa e Conep não enviaram representantes ao encontro, apesar de solicitadas. A ausência foi justificada por questões de agenda.

Questionados sobre o assunto, os membros da aliança minimizaram a situação. Segundo eles, o diálogo com os dois órgão está acontecendo em outras reuniões e em um grupo de trabalho criado para discutir a situação da pesquisa clínica do Brasil.

O Ministério da Saúde enviou um representante para participar da apresentação.

PROBLEMAS

A necessidade de aprovação nos dois órgãos gera uma lentidão que, segundo os pesquisadores, tira a competitividade do Brasil frente a outros países.

"Enquanto nos Estados Unidos e na Europa a aprovação vem em menos de três meses, no Brasil ela leva um ano, 15 meses. Será que esses lugares são muito menos éticos do que nós?", questionou Irani, ressaltando que a demora brasileira não tem levado a resultados melhores.

De acordo com um levantamento da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), só em 2013 o Brasil perdeu 112 estudos clínicos multicêntricos, liderados por 18 farmacêuticas.

Segundo a associação, as empresas não tiveram a aprovação dentro de seu cronograma de execução dos estudos ou simplesmente não os submeteram aos órgãos regulatórios devido à morosidade brasileira.

"E isso é o que a gente consegue saber. Há estudos em que o Brasil não é nem cogitado porque já se sabe da demora. Isso é algo que não se pode nem quantificar", disse Vitor Harada, vice-presidente da Abracro (Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica).

"Testes clínicos geram conhecimento, geram recursos, domínio de tecnologia. É inaceitável viver em um ambiente que dificulte isso", afirmou o médico Luis Augusto Russo, diretor do CCBR Brasil (Centro de Pesquisas e Análises Clínicas). Segundo ele, só na última semana, seu centro perdeu cinco testes clínicos devido à demora na aprovação.


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