Folha de S. Paulo


Análise: Boa sorte para Rosetta,a sonda que pretende pousar em um cometa

Março de 1986, janeiro de 2014. Há duas coisas em comum entre essas duas datas. Foram dois momentos em que técnicos, cientistas e engenheiros europeus –em geral céticos— cruzaram os dedos por conta de uma sonda espacial e de um cometa. E alguns jornalistas também.

E todos ficaram aliviados, mesmo depois de horas ou apenas minutos de muita angústia

Em 1986, a sonda europeia Giotto se aproximou do cometa Halley. Em 2014, a sonda europeia Rosetta saiu de uma "hibernação" de quase três anos e religou seus instrumentos a caminho do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko.

Nos dois casos, havia um desafio tecnológico: enviar a sonda para um encontro em um lugar muito preciso do sistema solar; e fazer com que os instrumentos a bordo funcionassem a ponto de enviar informações científicas importantes.

Quando a Giotto cruzou a cauda do cometa, muita gente cruzou os dedos. Não havia internet então, comunicações eram mais tradicionais. Jornalistas de ciência em todo o planeta aguardavam ansiosos novas informações (incluindo eu, de plantão na redação da Folha, neste distante 1986).

J. Mai/ESA
Cientistas comemoram a chegada do sinal de rádio da sonda espacial Rosetta
Cientistas comemoram a chegada do sinal de rádio da sonda espacial Rosetta

Foi um alívio ver as primeiras imagens enviadas pelas agências noticiosas do encontro com o cometa. A sonda sobreviveu, apesar de alguns problemas, como o impacto de partículas que quase cortaram a comunicação com a Terra e a coleta de dados. Foi mais uma meia hora de angústia.

Mais de duas décadas depois, a tecnologia se aperfeiçoou muito –mas a angústia continua a mesma. A sonda Rosetta é bem mais sofisticada que a Giotto –mas, às vezes, a tecnologia mais avançada também é mais frágil, vulnerável tanto ao impacto do lançamento por um foguete, como pela viagem interplanetária.

E o processo de despertar da sonda foi necessariamente demorado... E, graças à internet, foi possível sentir o drama ao vivo e a cores (ou será "em cores"?).

Dá pra entender o suspense quando se pensa que uma missão espacial é algo que dura muitos anos, desde o planejamento, até a construção da sonda e a implementação da missão. Um engenheiro ou cientista pode ficar uma década esperando pelo resultado! Que, em questão de minutos, pode desaparecer para sempre.

Em visita no ano passado a instalações da Astrium, empresa europeia que construiu a Rosetta, foi possível ver como a fabricação de uma sonda como esta, ou de um hoje prosaico satélite de comunicação, envolve muito perfeccionismo. Se a sonda falha a caminho do cometa, não há como enviar uma equipe técnica para resolver o problema... Cada parafuso ou chip tem que estar em plena forma.

Uma entrevista resumiu a coisa. Eis uma declaração do engenheiro Gunther Lautenschlaeger, gerente do projeto Rosetta na empresa Astrium:

"Eu estou esperando nervosamente o despertar da Rosetta em janeiro de 2014. Interessado em saber como o 'nosso bebê' sobreviveu a mais de dois anos sem nenhum contato com a Terra. Então eu creio que a sonda vai se encontrar precisamente com o cometa, e escoltá-lo chegando mais perto do Sol. Aqui começará a incerteza, com coisas como erupções e poeira. Mas eu acho que a Rosetta vai superar esses desafios, pois foi projetada para sobreviver."

Por enquanto ele acertou. Boa sorte, Rosetta!


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