Folha de S. Paulo


Tamanho não é tudo no cérebro humano

Existem muitas coisas que fazem dos humanos uma espécie ímpar, mas duas se destacam. Uma delas é nossa mente, e a outra, nosso cérebro.

A mente humana é capaz de realizar tarefas cognitivas que estão fora do alcance de outros animais, como usar linguagem, visualizar o futuro distante e deduzir o que outras pessoas estão pensando.

O cérebro humano também é excepcional. Com peso aproximado de 1.360 gramas, é gigantesco em relação ao nosso tamanho corporal. Os cérebros de nossos parentes vivos mais próximos, os chimpanzés, têm apenas um terço desse tamanho.

Cientistas suspeitam há muito tempo que exista uma ligação estreita entre nosso cérebro grande e nossa mente poderosa. Desde cerca de 3 milhões de anos atrás, os fósseis de nossos parentes antigos registram um aumento enorme no tamanho cerebral. A partir do momento em que esse crescimento craniano começou, nossos antepassados começaram a deixar para trás sinais de mentes cada vez mais sofisticadas –coisas como ferramentas de pedra e pinturas rupestres.

Mas os cientistas nunca entenderam como um simples aumento de tamanho pôde levar à evolução dessas aptidões. Agora dois neurocientistas de Harvard, Randy L. Buckner e Fenna M. Krienen, propuseram uma explicação potente, porém simples.

Em nossos ancestrais de cérebro menor, eles argumentam, os neurônios eram fortemente amarrados num padrão relativamente simples de conexões. Quando os cérebros de nossos ancestrais aumentaram de tamanho, essas amarras se quebraram, possibilitando a nossos neurônios formar novos circuitos.

Buckner e Krienen chamam sua ideia de "tether hypothesis" (hipótese da amarra) e a apresentam em um artigo na edição de dezembro do periódico "Trends in Cognitive Sciences".

"Acho que [a hipótese] traz algumas ideias instigantes", comentou Chet C. Sherwood, especialista da Universidade George Washington em evolução cerebral humana. Ele não participou da pesquisa.

Buckner e Krienen desenvolveram a hipótese depois de traçar mapas detalhados das conexões presentes no cérebro humano, usando aparelhos de ressonância magnética. Quando compararam seus mapas com os dos cérebros de outras espécies, encontraram algumas diferenças marcantes.

As camadas externas dos cérebros de mamíferos se dividem em regiões chamadas córtices. O córtex visual, por exemplo, ocupa a parte traseira do cérebro. É onde os neurônios processam sinais vindos dos olhos, reconhecendo margens, sombreamento e outras características.

Existem córtices também para os outros sentidos. Os córtices sensoriais transmitem sinais a outro conjunto de regiões, os córtices motores. Estes transmitem comandos. Esse circuito é útil para controlar o comportamento básico dos mamíferos. "Você vivencia algo no mundo e reage a isso", explicou Krienen.

Este comportamento relativamente simples é refletido nas conexões entre neurônios. Os neurônios de uma região fazem principalmente conexões curtas com uma região vizinha. Eles transportam sinais pelo cérebro, dos córtices sensoriais para os córtices motores.

O sistema de transmissão começa a tomar forma quando os mamíferos ainda são embriões. Diferentes regiões do cérebro liberam sinais químicos, e estes atraem neurônios em desenvolvimento.

"Eles dizem a um neurônio, por exemplo, 'você está destinado a ir à parte de trás do cérebro e tornar-se um neurônio visual", disse Krienen.

Depois de nascidos os mamíferos, suas experiências continuam a reforçar essas ligações. À medida que o mamífero vê mais do mundo, por exemplo, neurônios presentes no córtex visual formam mais conexões com os córtices motores, de modo que a corrente de transmissão ganha velocidade e eficiência.

O cérebro humano é diferente. À medida que foi crescendo, seus córtices sensórios e motores mal se expandiram. Ao invés disso, aumentaram as regiões entre eles, conhecidas como os córtices de associação.
Nossos córtices de associação são cruciais para os tipos de pensamento em que nós, humanos, nos destacamos. Eles são essenciais para a tomada de decisões, recuperação de memórias e reflexão sobre nós mesmos, entre outras tarefas.

Os córtices de associação também são incomuns devido ao modo como são suas ligações. Eles não estão conectados segundo o padrão de transmissão relativamente simples e sucessivo encontrado nos cérebros de outros mamíferos. Ao invés disso, se ligam uns aos outros de modo aleatório. Um mapa de córtices de associação se parece menos com uma linha de montagem e mais com a internet, com cada região ligada a outras próximas e distantes.

Buckner e Krienen argumentam que essa mudança se deu devido ao modo como os cérebros se desenvolvem. No cérebro humano, alguns neurônios recebem sinais químicos que os levam a formar uma linha de transmissão sucessiva entre os córtices sensórios e os córtices motores. Mas, devido ao tamanho do cérebro, alguns neurônios estão demasiado distantes dos sinais para obedecerem a seus comandos. "Eles podem ter se separado e formado um novo circuito", ponderou Buckner.

Essas novas ligações podem ter sido cruciais para a evolução da mente humana. Nossos córtices de associação nos libertam das reações velozes dos cérebros de outros mamíferos. Essas novas regiões cerebrais podem comunicar-se sem receber qualquer informação do mundo externo, assim descobrindo novos insights sobre nosso ambiente e nós mesmos.

Buckner prevê várias maneiras pelas quais a "tether hypothesis" pode ser testada. Por exemplo, os cérebros de muitos mamíferos, incluindo os chimpanzés, ainda não foram plenamente mapeados. "Esperamos que seja possível fazer isso nos próximos dez a 15 anos", ele disse.

Chet Sherwood, o especialista da Universidade George Washington, elogiou a hipótese por ser "bastante frugal". A emergência da mente humana pode não ter sido fruto de um número imenso de mutações que modificaram a estrutura fina do cérebro. Em vez disso, um simples aumento no crescimento dos neurônios pode tê-los desamarrado de suas âncoras evolutivas, criando a oportunidade para a mente humana emergir.

Tradução de Clara Allain


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