Folha de S. Paulo


Estudo questiona inteligência inferior do neandertal

Quais foram os genes responsáveis por moldar a inteligência privilegiada do homem moderno, permitindo que ele vencesse a disputa evolutiva com "primos" mais arcaicos, como os neandertais? A resposta, dizem cientistas brasileiros, talvez seja "poucos" ou "nenhum".

Numa série de trabalhos apresentados nesta semana no Congresso Brasileiro de Genética, em Águas de Lindoia (SP), uma equipe da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) mapeou dezenas de genes que podem ser importantes para as capacidades mentais.

Editoria de Arte/Folhapress

Compararam, então, a "receita" bioquímica presente nas versões humanas dos genes com as do genoma dos neandertais e denisovanos (misteriosos humanos arcaicos que viveram na Sibéria).

Resultado: as diferenças são nulas ou muito sutis, resume Maria Cátira Bortolini, geneticista da UFRGS e uma das coordenadoras do grupo.

"Elas não seriam suficientes para explicar grandes diferenças entre as espécies, de modo que elas seriam virtualmente iguais a nós em quase tudo, incluindo as habilidades cognitivas. Enfim, é algo controverso e contrário à visão de que a diferença cognitiva teria sido a causa de sua extinção", diz Maria Cátira.

O estudo, cuja primeira autora é Vanessa Paixão-Côrtes, está na revista "American Journal of Human Biology".

O trabalho da equipe gaúcha foi facilitado pela publicação, nos últimos anos, da sequência completa do genoma dos neandertais e dos hominídeos de Denisova.

Os pesquisadores se concentraram em 162 genes possivelmente associados ao desenvolvimento cognitivo ou cerebral.

Eles compararam as versões desses genes presentes nos três hominídeos com as equivalentes em chimpanzés --a ideia era ter uma base para saber qual seria a "condição ancestral" desses genes, levando em conta que, do ponto de vista cognitivo, os chimpanzés estariam mais próximos do ancestral comum dos hominídeos.

A comparação mostrou que quase todas as alterações em relação a esse padrão ancestral estão presentes tanto entre nós quanto entre nossos parentes extintos. As características em questão envolvem genes que guiariam a formação de conexões entre neurônios e outros ligados à destreza manual.

AMBIENTE E CULTURA
Por que, então, o Homo sapiens prevaleceu? Por um lado, a resposta é que ao menos alguns hominídeos arcaicos se uniram aos humanos modernos, e essa mestiçagem deixou marcas nos genomas das pessoas de hoje.

Por outro lado, diz Cátira, fatores ambientais e culturais podem ter sido mais importantes. Ela lembra que, em muitos lugares, populações de humanos modernos continuaram usando ferramentas de pedra simples por milênios, por estarem isoladas e sem estímulo ambiental que favorecesse a inovação.

Alguns arqueólogos estimam que a densidade populacional dos neandertais era baixa, o que favoreceria esse isolamento --e poderia ter deixado esse povo mais vulnerável às variações ambientais do fim da Era do Gelo.

Para a pesquisadora da UFRGS, se eles tivessem conseguido escapar desse "gargalo" e chegado ao período de clima mais estável dos últimos 10 mil anos, poderiam até ter adotado a agricultura e desenvolvido civilizações.


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