Não existe tema mais polêmico na ciência do que a origem do ser humano ou a sua disseminação pelo planeta.
Basta ver o título de um livro popular sobre o tema, "The Bones of Contention", que usa uma expressão que significa um assunto sobre o qual não há consenso. Poderia ser traduzido como "os ossos da discórdia".
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No caso da colonização humana da América, o problema é pior: faltam ossos. São raros os sítios arqueológicos antigos com ossos humanos.
Muito do que se debate sobre o tema acaba sendo em função de pistas indiretas, como pedras lascadas que poderiam ser instrumentos de fabricação humana.
O sítio no Piauí sempre foi considerado um problema pela falta de provas concretas da presença humana. Uma grande ajuda aos seus defensores foi dada pelas pesquisas em Monte Verde, Chile, pela equipe do americano Tom Dillehay. Se havia gente no Chile, por que não no Piauí, mais perto da rota de migração vinda da Ásia?
Por exemplo, a equipe descobriu restos de algas marinhas em Monte Verde, indicando que poderiam ser uma das fontes de alimento dos antigos índios do sítio. Claro, são pistas indiretas, como uma ferramenta de corte de pedra com restos de algas no gume.
Monte Verde teria sido habitado há pelos menos 14 mil anos, mil anos antes portanto da cultura Clovis nos EUA.
Os antigos habitantes teriam percorrido uma rota pelo litoral oeste das Américas vindos da Ásia, embora também existam especulações sobre rotas marítimas.
A discussão dedica muita atenção às datas de povoamento e pouca ao cotidiano dos antigos colonizadores: o que comiam, onde moravam, como viviam, o que caçavam?
Parte do debate tem até um contorno moderno, ecologicamente e politicamente correto (ou não). Teriam os antigos índios --"paleoíndios"-- contribuído ou não para a extinção da "megafauna" americana, isto é, os grande mamíferos que habitavam o continente?
"Nossa compreensão do processo é provável de se tornar ainda mais controversa e incerta enquanto as complexas relações entre a migração de pessoas, cultura e biologia vão sendo refinadas", escreveu tempos atrás a pesquisadora Nicole M. Waguespack, da Universidade de Wyoming, comentando as pesquisas sobre a primitiva ocupação das Américas.
Para ela, como costuma ser o caso neste tipo de polêmica, mais dados confiáveis são necessários e também "construções teóricas capazes de integrar tais dados".