Folha de S. Paulo


Lei Rouanet cambaleia e cenário para financiamento cultural pode piorar

Adriana Komura

De tão apedrejada, a Lei Rouanet cambaleia. O patrocínio despencou em 2016, uma CPI tenta entendê-la antes de ampliar a devassa, mas sem ela a produção cultural do país torna-se rarefeita. É o que tem pra hoje? Não.

O mecanismo da Rouanet é simples. Uma fatia das empresas e dos contribuintes pode destinar parte de seus impostos devidos aos projetos que quiserem e forem chancelados pelo Ministério da Cultura. Em época de retração econômica e suspeitas de desvio de verba, esses recursos minguam.

O governo observa impotente. Empresas escolhem e bancam, com recursos públicos, projetos adequados ao fortalecimento de suas marcas. Em meados dos anos 2000, os ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira propuseram mudanças no principal mecanismo de incentivo à cultura brasileira. Buscavam ampliar o poder do Estado sobre o uso dos recursos e obrigar o setor privado a patrocinar tirando dinheiro do próprio bolso.

O projeto não saiu do papel. A Rouanet tampouco se livrou da pecha de mecanismo direcionado a artistas milionários, grandes empresas e projetos irrelevantes.

A derrota de Gil e Juca, entretanto, foi parcial. Na mesma época, foi criado o Fundo Setorial do Audiovisual -um pedaço daquele que ambos fracassaram em fortalecer, o Fundo Nacional da Cultura.

Em dez anos, o FSA se tornou pilar de uma revolução no setor sob o guarda-chuva da Ancine, agência de fomento e regulamentação ligada ao MinC.

O órgão comanda hoje um orçamento bilionário, quase alheio aos cortes recorrentes, financiado basicamente pela tributação das empresas de telefonia.

A Ancine adota mecanismos pleiteados por todo o segmento cultural. Cotas regionais, critérios técnicos e estéticos, retorno financeiro ao Estado e apoio integral à cadeia, do produtor ao comerciante. Há marco regulatório estável e rentabilidade no negócio. Mas a conta ainda não fecha.

Em 2016, a crise foi ainda mais grave para os que dependem da Rouanet e outros mecanismos de incentivo fiscal porque as empresas só bancam cerca de R$ 0,50 a cada R$ 10 de patrocínio —o resto vem do poder público, que agora sofre para reduzir despesas e aumentar receitas.

O cenário será o mesmo ou pior em 2017, mesmo que produtores e captadores prevejam a retomada (lenta) do patrocínio.

A adoção de um teto de gastos federais trouxe consigo o acirramento da disputa por nacos orçamentários e do debate sobre o tamanho do Estado. Cabe ao governo abrir mão de milhões para a realização de musicais, festivais, exposições? Deve-se buscar modelos rentáveis, em detrimento dos projetos com valor artístico que ninguém quer bancar? É possível prescindir dos recursos públicos valendo-se do retorno financeiro de obras como "E aí, Comeu?" e "O Palhaço"?

Balanços e previsões sobre o financiamento cultural ao longo dos anos pouco devem variar até que as empresas comecem a patrocinar com recursos próprios. Já as pessoas físicas, fundamentais para museus pelo mundo, por aqui mal sabem que podem usar parte do Imposto de Renda para fomentar a cultura. Um ano de cada vez.


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