Folha de S. Paulo


Diante de números recordes de refugiados, Brasil precisa ajudar mais

Delil Souleiman/AFP
Crianças sírias caminham em campo montado temporariamente para receber refugiados
Crianças sírias caminham em campo montado temporariamente para receber refugiados

O ano de 2016 se encaminha para ser o mais letal para os refugiados —pelo menos 4.700 morreram afogados tentando chegar à Europa, a esmagadora maioria na rota entre Líbia e Itália. No ano passado inteiro, foram 3.771.

O total de refugiados no mundo também é recorde —21,3 milhões de pessoas tiveram de sair de seus países, fugindo de guerras ou perseguição, segundo dados do Acnur, a agência da ONU para refugiados. Outros 40,8 milhões são os chamados deslocados internos, ou seja, foram obrigados a sair de suas casas e se reassentaram dentro dos próprios países.

O número de refugiados não deve cair tão cedo. A guerra da Síria, que se arrasta desde 2011, já levou cinco milhões de sírios a deixarem o país. Outros conflitos ganham menos destaque na mídia, mas também provocam fluxo maciço de refugiados —República Democrática do Congo, Somália, Sudão do Sul, Afeganistão e Iraque.

Nada indica que esses conflitos serão resolvidos logo. Mas existe uma maneira de melhorar a vida dessas pessoas: dividir entre os países a responsabilidade.

Hoje em dia, mais da metade deles vive em apenas dez países. É falsa a ideia de que os países europeus estão sobrecarregados com a entrada de refugiados e migrantes. Na realidade, são países pobres ou de renda média, próximos a zonas de conflito —como Turquia, Líbano, Paquistão, Etiópia, Irã e Jordânia— que os recebem. Estes, sim, estão esgotados.

Na visão da Anistia Internacional, os países deveriam se comprometer com cotas de refugiados a serem recebidos, estabelecidas segundo três critérios: nível de desemprego no país, quantos já estão lá e PIB.

Por enquanto, os países vêm fugindo de suas responsabilidades. A Cúpula dos Refugiados, em setembro, foi um fracasso. O objetivo era chegar a um acordo em que os países se comprometessem a receber determinadas cotas. Não só não se comprometeram, como marcaram de se reunir novamente só em 2018.

A ascensão de governos populistas xenófobos, como nos EUA, deve piorar a situação.

O Brasil deu um passo muito positivo ao criar normativa para conceder vistos humanitários a pessoas afetadas pelo conflito da Síria. Mas, apesar da maior facilidade de entrada, o número de refugiados sírios e de outros países ainda é pequeno.

Segundo os últimos dados disponíveis (abril de 2016), o país tem 8.863 refugiados reconhecidos. A maioria vem da Síria, seguida de Angola, Colômbia, República Democrática do Congo e Palestina.

Além desses, cerca de 80 mil haitianos estão no país com vistos humanitários ou autorizações de trabalho. Mesmo assim, é pouco. O Brasil é a nona maior economia do mundo. A Costa Rica, 77ª, acolhe 3.000.

Para Marina Motta, assessora em Direitos Humanos da Anistia Internacional, o Brasil precisa ter um papel mais assertivo na crise. É preciso fazer acordos internacionais para receber refugiados e também reassentar pessoas que conseguiram sair de seus países, mas agora estão em campos de refugiados superlotados. Em 2016, o país só reassentou 33 pessoas.

"Muita gente acaba não vindo para o Brasil porque não tem dinheiro; além de facilitar a vinda, é preciso ter uma política complementar, um acordo internacional para arcar com o traslado, por exemplo", diz.

Além disso, muitos dos sírios deixaram o país por causa da falta de oportunidades e se mudaram para a Guiana Francesa, que oferece uma espécie de Bolsa Família. Já os haitianos, sem conseguir emprego, estão indo para o México e tentando entrar nos EUA.

"É necessário ter políticas públicas melhores —apoio para esses refugiados serem melhor atendidos no SUS, por exemplo, e as crianças se adaptarem na escola."

O secretário Nacional de Justiça e Cidadania, Gustavo Marrone, admite que falta um programa melhor para integração dos refugiados no Brasil. "Nós temos uma lei de refúgio que é referência mundial e um povo que é muito receptivo aos refugiados", diz Marrone, que é também presidente do Conare, o Comitê Nacional para os Refugiados.

"Mas falta investirmos mais na integração, desburocratizando a revalidação de diplomas, aumentando acesso a cursos de idiomas e treinamento."

Mesmo assim, alguns refugiados continuarão preferindo ir para Europa e EUA. "Precisamos saber se os sírios querem vir, não adianta forçar; para eles, o Brasil é muito distante, ainda que possamos pensar em algum tipo de ajuda para as passagens aéreas", diz Marrone. Além disso, não dá para ignorar a recessão no país.

Nem todos os países fracassaram. O Canadá, que aceitou 30 mil refugiados em 2015, é uma exceção. O Brasil também poderia ajudar a resolver a crise: não está sobrecarregado e ainda pode acolher muitos refugiados.


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