Folha de S. Paulo


Voltamos a torcer pela seleção brasileira (e também pelos cartolas)

Willian Volcov/Brazil Photo Press/Folhapress
Walace, Gabirel Jesus, Neymar, GabiGol e Rafinha recebem a medalha de ouro na Rio-2016

O brasileiro voltou a torcer por sua seleção em 2016. O inédito ouro olímpico e a assunção de Tite ao comando da equipe nacional fizeram quase esquecermos que há dois anos levamos 7 a 1 da Alemanha e que, desde então, quase nada de diferente aconteceu no ex-país do futebol.

Ah, a alegria de ver Neymar jogar como no Barcelona e ter Gabriel Jesus como um Suarez de amarelo não tem preço... Não, só que isso deveria ser regra e não surpresa. Quem compra ingresso para ver o time catalão ou seu antípoda, o Real Madrid, para ficar no atual primeiro mundo da bola, sabe exatamente o que vai levar em troca de uma centena de euros. Com a seleção brasileira deveria ocorrer algo parecido, mas não, nos acostumamos a esperar por suor, raça, milagre, lampejos sobrenaturais de talento ou apenas sofrimento.

A seleção, até Tite, era reflexo de um país de futebol falido, predado pela incompetência, corrompido por dirigentes. Nem a fantasia de que esse estado de coisas não interferiria na bola rolando em campo funcionava mais, aquela que dizia que o esporte seria imune, alheio à confusão, capaz de ignorá-la.

Quem não percebeu os sinais claros da decadência, os inúteis chuveirinhos na área, as ridículas simulações de falta e outras tantas evidências da baixa qualidade técnica do nosso jogo bonito, propaganda enganosa da Nike, precisou de um fiasco espetacular para acordar.

Acordamos e logo fomos dormir, porque insistimos em entender o futebol como algo mágico, vocação natural.

Lembramos ainda dos campinhos, da várzea, da praia. Esquecemos que o nível do futebol há tempos não se mede pelo talento, mas sim pela forma como o trabalhamos. E aqui trabalhamos com gente do quilate de Marco Polo Del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira. Investigados pelo FBI, um em prisão domiciliar, os outros enrolados no exterior e encastelados na Barra da Tijuca, ao abrigo da Justiça brasileira.

Não vê relação entre uma coisa e outra? Entre o fracasso em campo e a picaretagem extracampo? Eles veem e sabem que você, nobre torcedor, quer é bola na rede, não importa como. A coisa está feia? Chama o técnico da ocasião. Luiz Felipe Scolari salvou Teixeira das chamas e de duas CPIs. Ainda lhe deu longa sobrevida com o pentacampeonato. Já fora do tempo, Scolari voltou a ser chamado pelo patético Marin para repetir a dose e produzir o pior dos fracassos.

Del Nero, após tentar um moralizador Dunga e engolir um novo fiasco, se rendeu ao óbvio, Tite. E Tite, o melhor treinador do país desde Telê Santana, se rendeu ao nefasto que se perpetua no poder do futebol brasileiro, pela carreira e pelo que chamou, em entrevista a esta Folha, de "função social" da seleção.

Nada vai mudar em 2017. Vamos torcer pelo sucesso de Tite, pelo da seleção e, não se engane, pela permanência de Del Nero.


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