Folha de S. Paulo


Na 'Lava Jato italiana', peso dos partidos era diferente, diz filho de condenado

Stefano Bolognini/Wikimedia Commons
Vittorio Craxi, filho de ex-premiê italiano condenado por corrupção, vê diferenças entre PT e o PSI local
Vittorio Craxi, filho de ex-premiê italiano condenado por corrupção, vê diferenças entre PT e o PSI local

Vittorio Craxi diz que risco de partidos que estão por período "prolongado" no poder é o fisiologismo

Nos anos 1990, uma das maiores operações anticorrupção da história europeia expôs uma rede com tentáculos nos principais setores da vida política e econômica na Itália.

Foi a Operação Mãos Limpas, ou Mani Pulite, que ajudou a desmantelar esquemas de pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos e desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas.

A investigação levou ao fim da chamada Primeira República Italiana, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).

Bettino Craxi foi líder do PSI entre 1976 e 1993. Foi, também, primeiro-ministro da Itália, entre agosto de 1983 e abril de 1987. Em 1992, foi acusado pela Mãos Limpas de corrupção e financiamento ilegal de partido. Condenado, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000.

O PSI não chegou a ser extinto e existe até hoje, ainda que com pouca participação no cenário político italiano.

A Mãos Limpas italiana seria a fonte de inspiração de muitos policiais e procuradores que atuam na operação Lava Jato, que investiga o desvio de recursos da Petrobras para partidos políticos, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

Mas para Vittorio Craxi, conhecido como Bobo Craxi, filho de Bettino Craxi e ex-deputado pelo PSI, a Operação Mãos Limpas piorou a situação no país. Segundo Craxi, se antes no meio político havia desvios ilegais para prover fundos a partidos, hoje cometem-se ilegalidades "para financiar-se a si mesmo".

Ele disse à BBC Brasil que o risco de corrupção é "fisiológico" para partidos que estão por um período prolongado no poder e que a atual crise enfrentada pelo PT após revelações da Lava Jato não significam o fim do partido - e que sua salvação virá da "regeneração" dos dirigentes.

Veja abaixo a entrevista dada à BBC Brasil.

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BBC Brasil - É possível estabelecer um paralelo com o que ocorreu na Itália durante a Operação Mãos Limpas com a Operação Lava Jato? O PT pode perder a sua força?
Vittorio Craxi - Acho difícil fazer uma comparação com o que ocorreu na Itália pois o PT é muito maior e mais forte no Brasil do que o Partido Socialista Italiano era naquela época. Embora fosse do poder, o PSI era muito menor do que o PT, não tinha a mesma força que o PT tem hoje no Brasil.
O PT ainda tem condições de se reerguer porque conta com uma história recente de crescimento econômico e com a força do seu líder, (o ex-presidente) Lula, que ainda é muito popular.

Apesar disso, dirigentes do partido foram condenados por corrupção.
É inevitável que depois de uma prolongada permanência no poder ocorram episódios de corrupção. O risco de degeneração é fisiológico. No Brasil dos últimos anos o crescimento econômico gerou muita 'desenvoltura' no mundo dos negócios, com políticos de esquerda atuando como se fossem de direita.
Este foi o erro do PT, aderir às prerrogativas dos partidos de direita, que defendem o mundo financeiro, o capitalismo liberal e a iniciativa privada.
O partido deve ser salvo com a regeneração dos dirigentes e não com a abolição do próprio partido.
Os brasileiros acabaram de votar e deverão mudar o presidente nas próximas eleições. Esta é a democracia: respeito ao voto dos cidadãos, são estas as regras.
Em geral, penso que neste momento histórico mundial, o melhor papel para a esquerda seja o de oposição. Do contrário, acabaremos por aceitar as regras do capitalismo financeiro global.

Nos anos 90, seu pai foi condenado por corrupção e financiamento ilegal do PSI. Ele chegou a admitir que o financiamento irregular dos partidos era uma praxe na época. Ele poderia ter agido de forma diferente?
O que ele disse foi que o financiamento de toda a política na Itália, não apenas a do partido dele, era em parte feito de forma ilegal, porque os partidos não declaravam estes recursos, porque havia uma grande desordem nas regras e, portanto, havia grande tolerância com relação a isso.
Foi um discurso muito aberto e franco sobre a importância do financiamento aos partidos, que é uma das condições fundamentais da democracia.
A política é e deve continuar sendo financiada, no modo mais transparente possível. Ou então não se trata de democracia, mas de regime.
Na minha opinião, a solução é tornar o financiamento aos partidos público e 'desfiscalizar' o financiamento privado.

O financiamento dos partidos continua sendo um desafio para a política?
Penso que o financiamento à política seja um dos grandes temas da democracia. Mas as acusações de corrupção não devem ser generalizadas.
Há casos de corrupção e casos de financiamento irregular à política, e devem ser diferenciados. Isso vale tanto para os partidos de esquerda, quanto de direita.
O ex-presidente (Fernando) Collor também esteve envolvido em atos de corrupção e por isso sofreu o impeachment.

A situação melhorou após a Operação Mãos Limpas?
Mudou para pior. Antes cometia-se ilegalidade para financiar os partidos, hoje comete-se ilegalidades para financiar-se a si mesmos.

E o que é pior?
Hoje existem ladrões, naquela época não. A Operação Mãos Limpas foi um desastre para a Itália, porque os juízes fizeram carreira e alguns foram inclusive acusados de corrupção, os partidos desapareceram.
Não por acaso um homem rico organizou um partido. E partidos pessoais não são partidos. Por isso acredito que as grandes ideias e os grandes partidos devam ser salvos, apesar dos erros que possam ter cometido.

Apesar da Operação Mãos Limpas, o fenômeno de propinas e troca de favores continua sendo um assunto na Itália, com diversos episódios recentes de irregularidades. Existem novas formas de corrupção na política?
Sim, e infelizmente não é apenas um problema de leis, mas de cultura, de respeito às regras. É preciso fazer um trabalho profundo principalmente nas classes dirigentes do governo.
É difícil modificar a mentalidade de um criminoso, mas podemos ensinar às novas gerações a respeitar antes de tudo a legalidade, a transparência e o respeito das regras.


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