Folha de S. Paulo


Mãe se arrisca como detetive por sete anos e acha assassino de filho

Desencantada com a ineficiência da polícia, a vendedora argentina Nélida Sérpico lançou mão de coragem alimentada pelos mais intensos sentimentos maternos para conseguir uma façanha: localizar, ela mesma, o acusado pelo assassinato do seu filho caçula, Octavio Gómez, morto aos 16 anos de idade.

O crime ocorreu em dezembro de 2005 no bairro de Bajo Flores, na capital da Argentina, Buenos Aires.

A polícia tinha uma ordem de captura do criminoso, mas nunca o prendeu. Ao ver que o rapaz continuava livre e vivendo no mesmo bairro, a mãe, de 57 anos, arquitetou o plano para localizá-lo e entregá-lo, ela mesma, aos policiais.

Durante os sete anos seguintes, Sérpico levou uma vida dupla e se arriscou caminhando, disfarçada, pelo bairro onde vivia o algoz de seu filho.

No dia 7 de agosto, graças à investigação, a Justiça condenou Facundo Caimo, de 29 anos, a 15 anos de prisão pelo assassinato do estudante Octavio.

Em entrevista por telefone à BBC Brasil, Sérpico disse, entre soluços, que "a Justiça foi feita."

"Nada devolverá o meu filho, tão bom menino, tão boa pessoa. Mas eu sempre acreditei em Deus e na Justiça e continuo acreditando. Mas quando vi que a polícia não fazia nada, decidi tomar uma atitude", contou.

DENTE QUEBRADO

Sérpico disse que pintou o cabelo castanho claro de preto, quebrou um dente e mudava de roupa, colocando peças mais simples, quando chegava do trabalho para percorrer o bairro onde o criminoso morava.

O objetivo, disse, era "parecer uma pessoa do local", uma área modesta frequentada por delinquentes, segundo ela.

"Caminhei tanto, tanto por aquelas ruas abandonadas e perigosas, mas o principal para mim era encontrá-lo. Eu só pedia a Deus e ao meu filho Octavio que eu fosse invisível, que não chamasse atenção por não ser dali, que não me descobrissem", disse.

A mãe afirmou que andava com o número do expediente do caso do filho anotado em uma mão, os telefones da polícia na outra e tinha o retrato falado do criminoso.

"Até que no dia 5 de abril deste ano eu o vi de longe", contou.

"Perguntei a uma senhora se sabia o nome dele e ela me disse. E era ele mesmo. Ainda hoje não posso dizer o nome dele."

GENDARMERIA

Nélida Sérpico contou que, então, ligou para a delegacia. Os policiais pediram que ela voltasse a telefonar mais tarde.

"Quando me disseram isso, para ligar mais tarde, achei melhor ligar para a Gendarmeria (polícia militar) e contei que o assassino do meu filho estava livre, dei o número do expediente do caso. Eles chegaram rápido, ele tentou correr mas foi preso", disse.

Com a voz embargada, Sérpico afirmou ter ficado "surpresa" com a "frieza" do rapaz que em momento algum, disse, pediu perdão.

"Ele só me viu no tribunal, e eu levantei a foto do meu filho e disse: essa imagem você terá para sempre, essa responsabilidade você carregará para toda a vida", afirmou.

Sérpico disse que não contou ao marido e aos outros dois filhos, agora com 29 e 30 anos, que tinha um plano para levar o criminoso à cadeia.

"Hoje, meus parentes, minhas amigas, meus filhos me perguntam como tive coragem. Mas se eu contasse para alguém eles iriam tentar me fazer desistir da ideia. E eu não queria desistir", disse.

VINGANÇA

Entre 2006 e 2013, Sérpico chegava do trabalho, mudava de roupa e caminhava pela Villa 1-11-14, no Bajo Flores, segundo também contou à BBC Brasil a promotora do caso Monica Cuñarro.

Depois ela voltava para casa, servia o jantar ao marido e voltava a fazer a mesma rotina, de vendedora, mãe e detetive.

Ela e a promotora contaram que Octavio e Caimo frequentavam a mesma escola e um dia brigaram aos socos e pontapés. O assassino teria dito que se vingaria.

"Os amigos do meu filho me contaram que ninguém levou a ameaça a sério. Mas um dia meu filho desceu do ônibus e ele (Caimo) apareceu com outros rapazes e atirou contra ele pelas costas. Meu filho morreu na hora", afirmou.

Um amigo de Octavio, que ficou ferido, descreveu à polícia os traços do acusado.

"Nélida é uma heroína. Mesmo sendo uma pessoa simples, jamais deixou de acreditar na Justiça, jamais pensou em fazer Justiça com as próprias mãos e jamais desistiu", disse a promotora.


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