Folha de S. Paulo


Para vizinhos de viaduto que desabou em BH, 'futebol perdeu a graça'

Há menos de uma semana, a queda do viaduto Batalha dos Guararapes a 5 km do estádio do Mineirão quebrou a rotina de futebol e festa que Belo Horizonte tinha desde o início de junho.

Cinco dias após a tragédia, que deixou dois mortos e 23 feridos, a capital mineira tenta se reorganizar para receber o último dos seis jogos da Copa do Mundo que estavam destinados a ela –e o mais épico deles, a semifinal entre Brasil e Alemanha.

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Para os vizinhos do viaduto desmoronado, o acidente interrompeu o "clima de Copa" que predominava até semana passada e deixou o futebol em segundo plano.

"O futebol mesmo perdeu a graça. Espero que dê tudo certo, que sejamos vencedores. Mas que nas próximas eleições, a gente possa mudar essa situação. Que chamem obras, novos eventos pra cá, mas que respeitem o cidadão", reivindicou Ana Cristina Campos Drumond, moradora dos arredores do viaduto que desabou.

Nos prédios ao redor do que restou do elevado, as provas de que por ali o "clima de Copa" já não é mais o mesmo. Faixas de protesto foram exibidas na janela "Obrigado pelo viaduto padrão Fifa", ironiza uma. "Indignação, revolta, viaduto aqui não! Quero proteção", reclama outra.

ACESSO TRANQUILO

Na capital mineira, a cidade como um todo vive a expectativa para o jogo que definirá o primeiro finalista do Mundial, com torcedores brasileiros e alemães se preparando para lotar o Mineirão em um dos maiores clássicos do futebol mundial.

Enquanto isso, a Prefeitura de Belo Horizonte, ainda sem o conhecimento das causas do acidente, divide suas atenções entre dar assistência aos familiares das vítimas e feridos, auxiliar a investigação de possíveis erros de procedimento na obra e pensar em como resolver o trânsito da cidade quando quase 60 mil pessoas terão que desviar da avenida Pedro 1º (onde ficava o viaduto, uma das principais vias de acesso ao estádio) e buscar outras alternativas para chegar ao Mineirão.

A primeira solução foi decretar feriado municipal nesta terça-feira (8). Para evitar um congestionamento excessivo e aliviar o trânsito principalmente na região da Pampulha –onde ficam tanto o Mineirão, quanto o antigo viaduto–, o prefeito Márcio Lacerda (PSB) determinou que somente órgãos e entidades vinculados à operação da Copa do Mundo e outros serviços essenciais (hospitais e transporte público, por exemplo), além de bares, restaurantes precisarão funcionar nesta terça –os outros poderão aproveitar o feriado improvisado.

A prefeitura garante que, apesar de algumas modificações no trânsito, o acesso ao estádio será tranquilo nesta terça.

"Todas as providências foram tomadas para garantir o fluxo normal do trânsito para a população, torcedores e demais visitantes presentes na cidade para o jogo. Algumas medidas, como a decretação de feriado municipal e a organização de desvios, também foram tomadas para contribuir com a fluidez do trânsito", disse o órgão municipal em nota à BBC.

A ideia também era liberar a área fazendo a demolição dos resquícios do viaduto no último final de semana, mas a Justiça suspendeu o procedimento e pediu a "preservação do local por tempo indeterminado". Segundo a prefeitura, nesta segunda-feira (7) foi liberada a demolição parcial, mas ainda assim, o local segue interditado.

PROBLEMAS DA OBRA

O viaduto Batalha dos Guararapes fazia parte do projeto de mobilidade urbana do BRT previsto nas obras de Belo Horizonte para a Copa do Mundo. A previsão era de que ele fosse entregue até o início do torneio, mas a construtora Cowan, que assumiu a construção do elevado, não conseguiu terminá-lo a tempo.

A obra serviria para ligar a avenida Pedro 1º à avenida Antônio Carlos, um dos principais corredores de Belo Horizonte que dão acesso ao estádio do Mineirão.

Além do Guararapes, outro viaduto bem próximo a ele, o Montese, também fazia parte do projeto do BRT. Esse último chegou a apresentar um deslocamento de 27 cm em fevereiro deste ano e teve sua construção interditada para uma análise técnica da prefeitura, que determinou algumas correções na infraestrutura do viaduto.

A grande reclamação dos moradores da região com relação às duas obras sempre foram as desapropriações realizadas no local e o fato de a obra estar sendo construída muito próximo de prédios de condomínios.

"Ele (o Guararapes) ficou muito próximo ao condomínio. Isso foi até uma alteração que teve no projeto, porque não era para ser assim, tão próximo", explicou Ana Cristina, que foi advogada dos moradores da região nas brigas jurídicas por conta das desapropriações que precisaram ser feitas.

"Estudou-se a possibilidade até de uma trincheira, e não viaduto com duas alças, até porque o terreno é em uma área de brejo. A gente não sabe qual a exatidão desse estudo de solo pra conseguir ter uma obra sobre um local onde tinham nove nascentes que desapareceram ao longo dessa obra", questionou.

ATRASO E SUSPEITA DE CORRUPÇÃO

Para construir o viaduto, a prefeitura precisou desapropriar alguns moradores e esse processo, de acordo com o órgão municipal, foi um dos motivos pelos quais a obra atrasou.

"A prefeitura enfrentou um volume expressivo de desapropriações, onde os direitos dos moradores que tinham propriedades ao longo da via tiveram processo de negociação, sendo que em alguns casos houve recurso do poder judiciário. A prefeitura teve que se subordinar ao desenrolar de todas essas atividades de desapropriação para iniciar e dar andamento à obra", explicou em nota.

Para a moradora Ana Cristina, o viaduto até seria bastante útil para a população que vive na região, mas ela aponta a maneira como ele foi projetado e construído como um dos "problemas" da execução da obra.

"A obra seria excelente pra mobilidade urbana, sim, mas a questão é a falta de amparo à população, da indenização prévia e justa dos imóveis que foram desapropriados", disse.

"Acho que teve a pressa e teve a responsabilidade da empresa, que faz uma obra desse porte, não se preocupou em repor a iluminação pública que foi tirada, teve problemas de segurança pública, buracos que ficaram por todo lugar, terra jogada", relatou.

A cidade de Belo Horizonte, porém, negou que teve "pressa" para finalizar o viaduto. "A prefeitura é obrigada a cumprir prazos diante de todas as questões legais envolvendo uma licitação pública. Porém, em nenhum momento nenhuma dessas questões se superpõe à segurança e aos bons princípios da engenharia. Tanto é que o viaduto não estava pronto antes da Copa."

Os atrasos na obra do viaduto e outros problemas de execução acabaram originando uma investigação do Ministério Público de um suposto superfaturamento na obra ainda em 2012. A prefeitura garante que está tudo certo com a obra.

"Não há superfaturamento. O processo de exame das obras pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) se seguiu a um processo iniciado pela Controladoria Geral da União (CGU) que, em quatro manifestações, verificou que o município tomou todas as medidas de ordem técnica e disciplinar, além de procedimentos para corrigir aquilo que foi apontado.

Os exames do TCE estão em curso e entendemos que eles terão um desfecho semelhante ao que ocorreu no caso da CGU", falou a prefeitura ainda em nota.

Sobre as causas do acidente, o órgão municipal não quis se manifestar e prefere aguardar a perícia. "Não temos o direito de especular. Teremos uma parte em paralelo, ou em série, voltada à apuração de responsabilidade. Nós vamos respeitar os prazos que os peritos contratados nos solicitaram, mas ainda não temos uma resposta de quanto tempo eles levarão para chegar a uma conclusão."


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