Folha de S. Paulo


Entraves limitam uso da energia eólica no Brasil

De qualquer lado que se olhe, o setor eólico no Brasil é um dos mais promissores na área energética, segundo analistas e levantamentos recentes.

As condições de clima e relevo e os avanços tecnológicos fizeram com que o Global Wind Energy Council, que agrupa organizações e empresas do setor, elegesse o Brasil como um dos países de maior potencial na geração de energia pelo vento.

A participação do setor na matriz energética brasileira deve obter o maior crescimento entre as diversas fontes de energia, saltando dos atuais 2% para 8% em oito anos, segundo Maurício Tolmasquim, presidente Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Além disso, o uso do vento para gerar energia no país cresceu 73% em 2012, beneficiando 5 milhões de brasileiros por mês.

A discussão sobre as fontes eólicas ganhou ainda mais fôlego no início do ano, quando, diante de baixos níveis de reservatórios nas hidrelétricas, o país passou pelo risco de novos apagões ou racionamento. Para lidar com o problema, o governo usou as termoelétricas em caráter emergencial.

No entanto, esse recurso foi criticado por ser uma fonte de energia fóssil, por isso não renovável, poluente e de geração mais cara. Segundo um levantamento feito pela ONG ambiental Greenpeace na época, cada real gasto para operar as usinas térmicas poderia fornecer cinco vezes mais de energia se ela fosse gerada em campos eólicos.

ENTRAVES

Mas, apesar dos argumentos ambientais e econômicos favoráveis, uma série de entraves continua limitando a expansão da energia eólica e deixa seu aproveitamento no país muito aquém de todo seu potencial.

Mudanças em cima da hora, medidas imediatas apenas para lidar com problemas emergenciais e falta de transparência para as determinações futuras são alguns dos temores dos envolvidos na área de energia renováveis.

"O setor eólico é uma indústria nascente, precisa de fôlego, não pode ser algo que começa e depois é interrompido, pois isso pode ser fulminante", diz Elbia Melo, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).

Para ela, sem sinais claros do governo, o investimento a longo prazo vai arrefecer. "E isso poderia fazer essa indústria morrer antes mesmo de seu nascimento para valer."

Na opinião do professor Ildo Luis Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, o potencial competitivo da energia eólica no Brasil é desperdiçado justamente por uma falta de planejamento e coordenação do governo.

"Um mapeamento eólico detalhado, por exemplo, organizaria melhor os investimentos e criaria escala", afirma o engenheiro, que foi diretor do setor de gás e energia da Petrobras entre 2003 e 2007. "Mas o planejamento hoje é volátil e volúvel, além de termos uma estrutura pouco funcional, como órgãos demais atuando sobre o mesmo setor."

Em nota, o Ministério de Minas e Energia afirmou que "o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica tem trabalho na revisão do Atlas Eólico existente".

LINHAS DE TRANSMISSÃO

Para especialistas, energias renováveis recebem menos investimentos em pesquisa do que temas ligados a petróleo.

Depois de ser gerada nos campos eólicos, a energia depende de linhas de transmissão para chegar aos consumidores. O que, na prática, parece lógico, na teoria não é tão claro assim. Atualmente, essas redes não são de responsabilidade das mesmas empresas que mantêm os parques em si. E isso vem gerando uma falta de sincronia nos prazos de entrega.

Um bom exemplo desse cenário ocorre no Nordeste, onde três usinas estão prontas, mas sem gerar energia há quase um ano por falta de linhas.

Essa falta de sincronia na região -- que abriga 60 das 92 usinas eólicas -- provoca um desperdício de energia que, por sua vez, representa um prejuízo para o governo que já ultrapassou os R$ 260 milhões, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Esse é o valor que o governo já pagou às empresas, uma vez que elas entregaram o empreendimento no prazo.

Além disso, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) essa produção desperdiçada seria suficiente para abastecer, por mês, cerca de 3,3 milhões de habitantes.

Questionado, o Ministério de Minas e Energia afirmou que vai implementar alterações nesse modelo no próximo leilão do setor, que está marcado para agosto.

"No intuito de promover a redução de incertezas quanto ao escoamento da geração eólica contratada no Ambiente Regulado, o Leilão de Reserva apresentará consideráveis mudanças na sistemática adotada", afirma a nota do ministério, esclarecendo que o trâmite agora será feito em duas fases, atrelando as concessões à capacidade de distribuição.

PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

"Depois da descoberta do pré-sal, o investimento não apenas em eólica, mas em todas as outras energias renováveis diminuiu no país", afirma o professor do departamento de energia da Unesp José Luz Silveira.

"Também não há subsídio do governo, especialmente aos pequenos produtores, como acontece na Europa", acrescenta.

Baitelo, do Greenpeace, concorda que a prioridade é para o petróleo na comparação com qualquer outra área do campo energético.

"Na academia, se vê uma produção maior em temas ligados ao pré-sal do que às energias eólica ou fotovoltaica", afirma, acrescentando que mais investimentos nesse setor poderiam, por exemplo, desenvolver turbinas mais apropriadas para os ventos brasileiros.

CARVÃO

De acordo com especialistas, o governo indicou no início do ano que gostaria de ter mais termoelétricas para complementar sua matriz e garantir o abastecimento.

"Pudemos ver que o lobby do carvão se organizou e nessa ocasião acabou conseguindo o que queria", afirma Baitelo.

"Esse é o momento de equilibrarmos a matriz e darmos mais espaço para as térmicas", disse Tolmasquim, da EPE, ao anunciar no mês passado a contratação de usinas termoelétricas no leilão que contratará a demanda das distribuidoras a partir de 2018.

O anúncio causou euforia no setor das carvoarias. Uma das empresas líderes neste mercado, a Tractebel, do empresário Eike Batista, divulgou que estudaria incluir seus projetos no leilão.


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