Folha de S. Paulo


Militância e dinheiro explicam sucesso de lobby das armas nos EUA

Uma mescla de forte apoio de base, milhões de dólares gastos em lobby junto ao Congresso americano e, talvez mais significativo, recursos a perder de vista para financiar campanhas eleitorais explicam a influência da indústria das armas na política dos EUA.

Só entre janeiro e março deste ano, grupos como a Associação Nacional pelo Direito às Armas (NAGR, na sigla em inglês) e a Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) destinaram US$ 3,8 milhões para fazer lobby junto a deputados e senadores americanos.

O valor equivale ao triplo do que foi gasto no mesmo período do ano passado e quase dois terços dos US$ 6 milhões gastos em todo o ano de 2012, de acordo com números repassados por lei ao Senado e compilados pela organização Center for Responsive Politics (CRP).

O aumento repentino na atividade de lobby do setor buscou contrabalançar o sentimento favorável a uma legislação por maior controle gerado após o massacre na escola primária de Sandy Hook, em dezembro.

Um dos resultados da ofensiva dos grupos pró-armas foi a derrota, em abril, de uma legislação apoiada pela Casa Branca para expandir os procedimentos de checagem do histórico de pessoas interessadas em comprar armas em feiras, classificados e internet.

FORÇA DE 'MILHÕES'

Mas outros analistas argumentam que os números gastos com lobby contam apenas parte da história.

A diretora de pesquisas do CRP, Sarah Bryner, disse à BBC Brasil que a influência das entidades pró-armas também se deve a uma militância ativa, "que pode enviar cartas aos seus congressistas, fazer ligações, expressar suas opiniões sobre esse ou aquele projeto", explicou.

O presidente da NRA, Wayne LaPierre, tem dito que a organização tem "a força de 5 milhões" de afiliados, com o objetivo de recrutar "10 milhões de americanos patriotas que celebram a liberdade e tudo o que é bom e direito na América".

A NRA diz que representa os anseios de 46% dos americanos que, segundo o instituto de pesquisas Pew Research, defendem o direito de ter e portar armas, conforme expresso na Segunda Emenda Constitucional do país.

Segundo o Pew, a vantagem dos que apoiam mais controle é pequena --o percentual é de 50%-- e apesar do efeito Sandy Hook, diminuiu ao longo da última década.

Sarah Bryner lembra que os grupos pró-armas de fogo também são fortes contribuintes de campanhas políticas para o Congresso e a Casa Branca.

"Podem não apenas bater na porta dos seus deputados e senadores, mas também lembrá-los das contribuições que fizeram no passado", disse a especialista.

DOAÇÕES ILIMITADAS

Segundo a ONG Centro para a Integridade Pública, a indústria de armas destinou US$ 81 milhões desde o ciclo eleitoral de 2000 para as campanhas de candidatos a deputados, senadores e a Casa Branca.

Destes, US$ 46 milhões foram desembolsados desde 2010, ano em que o Supremo americano permitiu que entidades e corporações fizessem doações ilimitadas aos chamados super-PACs, comitês supostamente independentes de ação política --ligada geralmente à realização de campanhas a favor ou contra candidatos, referendos ou leis.

Entre os 46 senadores que votaram para evitar a expansão da checagem do histórico, 43 receberam ajuda dos grupos pró-armas, disse o Centro.

"O dinheiro e o poder político que ele representa nunca ficaram tão claros no Congresso como no mês passado", escreveram os especialistas do Centro para a Integridade Pública, Alan Berlow e Gordon Witkin.

"O medo desse poder e desse dinheiro, que a NRA explora com competência, tem muito a ver com a capacidade do grupo de controlar repetidamente o debate nacional em torno das armas."

'MAIS INFLUENTE'

Apesar das críticas, o lobby das armas e seu principal porta-voz, a NRA, já estão sendo qualificados como os mais influentes da política americana no início deste ano.

A movimentação das entidades contrasta com um ligeiro decréscimo na atividade de lobby, resultante da redução dos gastos corporativos com lobistas.

Segundo o CRP, no ano passado, a indústria do lobby alcançou US$ 3,3 bilhões. Este ano, deve chegar a US$ 3 bilhões, o menor patamar desde os US$ 2,86 bilhões registrados em 2007.

Durante a convenção da NRA, na semana passada no Texas, LaPierre comemorou a vitória legislativa, criticando o presidente Barack Obama e prometendo lutar contra qualquer iniciativa legal para restringir a compra e o porte de armas.

"Não há nada que o presidente não vá fazer para aprovar alguma coisa --qualquer coisa-- no Congresso para levar adiante a sua agenda de destruir a Segunda Emenda", disse LaPierre.

"O presidente disse que esse é apenas o primeiro round", ironizou. "Não nos importa se é o primeiro, segundo ou 15º round, a NRA irá até o fim. Custe o que custar, nunca vamos abrir mão ou dar um passo atrás na nossa liberdade constitucional - nem um centímetro."


Endereço da página: