Folha de S. Paulo


Maduro busca apoio de Mercosul em meio a tensão com EUA

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, inicia nesta terça-feira sua primeira viagem internacional de olho no apoio político de seus aliados do Mercosul diante das ameaças de instabilidade interna e de novas pressões por parte dos Estados Unidos, que questionam a legitimidade de seu governo.

Herdeiro político do líder Hugo Chávez, morto em março, Maduro obteve uma vitória apertada nas eleições extraordinárias de abril, com 1,5 ponto percentual de vantagem, pouco mais de 220 mil votos.

O resultado é questionado pelo rival opositor, Henrique Capriles, que exigiu a realização de uma auditoria da totalidade das urnas.

Na avaliação de analistas ouvidos pela BBC Brasil, com a viagem, Maduro pretende alcançar três objetivos centrais: fortalecer o apoio político de seus aliados no Mercosul, demonstrar à comunidade internacional que há estabilidade política no país e acertar os mecanismos do ingresso da Venezuela ao bloco sul-americano.

Sem a liderança e o apoio popular que contava seu mentor Hugo Chávez, é fundamental para Maduro demonstrar que seu governo conta com aliados de peso como a presidente Dilma Roussef e a argentina Cristina Kirchner, na avaliação de Luis Fernando Ayerbe, Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp.

"É muito importante (para Maduro) esse apoio internacional e mostrar que ele é reconhecido como um líder", afirmou Ayerbe. "Há uma enorme preocupação com a divisão interna, com a ofensiva da oposição e que isso possa representar um problema para o governo a curto prazo", acrescentou.

APOIO DO MERCOSUL

A necessidade de trazer para casa um maior apoio político do Mercosul --visto pelos venezuelanos como uma barreira política de proteção-- ganhou ainda mais força depois que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, questionou a legitimidade do governo de Maduro, incrementando a tensão política que se arrasta há anos entre Caracas e Washington.

"Nossa visão tem sido que o povo venezuelano deve eleger seus líderes em eleições legítimas", disse Obama, em entrevista ao canal Univisión.

Fazendo coro aos protestos da oposição, Obama disse que "o hemisfério completo está vendo a violência, protestos e ataques à oposição". Os Estados Unidos não reconheceram oficialmente a presidência de Maduro.

Para o analista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela, a legitimidade de Maduro não é foco de debate na região, mas, sim, sua capacidade de governar nos próximos anos.

"Legitimidade, ele [Maduro] tem. Toda a comunidade latino-americana reconheceu seu triunfo", afirmou Romero à BBC Brasil. "Alguns vizinhos mostram preocupação pela polarização política, mas não questionam o resultado em si".

Na opinião dos especialistas, a principal preocupação na América do Sul é que a situação no país "alcance extremos" que coloquem em risco investimentos privados e megaprojetos de infraestrutura e energéticos firmados ainda no governo Chávez.

"Qualquer mudança brusca que não ocorrer pela via democrática será um grave problema para o Brasil e para os demais países", afirmou Ayerbe.

Na era Chávez, o Brasil se converteu no terceiro principal parceiro comercial da Venezuela, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e China. De 1999 a 2012 a balança comercial saltou de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 3 bilhões) para US$ 6 bilhões (R$ 12 bilhões).

CRISE DIPLOMÁTICA

Na semana passada, a polarização política no país veio à tona novamente com a troca de socos entre oposicionistas e chavistas na Assembleia Nacional, deixando um saldo de onze parlamentares feridos.

O episódio foi o pivô de um mal estar diplomático com o Peru, responsável pela presidência pro-tempore da Unasul. O chanceler peruano Rafael Roncagliolo pediu que o bloco sul-americano reiterasse o chamado ao governo Maduro por "tolerância" e ao "diálogo" --a linguagem usada na utilizada na reunião de emergência do bloco, convocada dias depois da eleição venezuelana por causa da crescente tensão nas ruas de Caracas.

Após a divulgação do resultado oficial do pleito, correligionários de Maduro e de Capriles convocaram uma série de protestos populares. Enfrentamentos nesses protestos resultaram, segundo a Procuradoria Geral da Venezuela, na morte de nove pessoas.

O governo diz que a violência foi incitada pela oposição, que responsabiliza o governo pelas mortes.

Recentemente, Maduro também se envolveu em um imbróglio diplomático com Colômbia, ao acusar o ex-presidente Álvaro Uribe de estar envolvido em um plano para assassiná-lo.

Segundo o presidente venezuelano, Uribe contaria com o apoio de ex-funcionários do Departamento de Estado dos Estados Unidos, como Otto Reich e Roger Noriega, e da oposição venezuelana.

Na segunda-feira, o embaixador venezuelano em Bogotá teve que dar explicações à chancelaria da Colômbia, a pedido do governo do presidente Juan Manuel Santos.

Até este incidente, Caracas e Bogotá viviam uma espécie de "lua-de-mel" diplomática, após anos de crises entre Chávez e Uribe.

MERCOSUL

Com os colegas sul-americanos, Maduro terá de negociar os termos e regras aduaneiras para a adesão definitiva do país ao Mercosul. A Venezuela tem o prazo de três anos para adequar-se às regras comerciais do bloco.

Outro objetivo da viagem, de acordo o próprio Maduro, é "comprar comida" para conter o desabastecimento de alguns produtos da cesta básica. "Parte chave desse giro que começo amanhã (esta terça-feira) é para garantir outra vez a reserva de três meses de alimentos, de produtos de higiene da casa e pessoal", afirmou.

Com uma economia dependente da exportação petroleira, a precariedade da produção agropecuária na Venezuela é um dos principais problemas que enfrenta o governo. Apesar da política de subsídios agrícola e da política de reforma agrária, quase 70% da alimentação dos venezuelanos depende de importações.

Somente do Brasil, a venda de carnes carnes bovinas e de frangos correspondem a quase 25% da pauta de exportação brasileira à Venezuela, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento (MDIC).

O presidente venezuelano deve chegar a Montevidéu ainda nesta terça-feira. Na quarta-feira, Maduro viaja a Buenos Aires para reunião com a presidente argentina Cristina Kirchner. O encontro com a presidente Dilma Rousseff está previsto para quinta-feira. Maduro não visitará o Paraguai, suspenso do bloco desde a destituição do presidente Fernando Lugo.


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