Folha de S. Paulo


SAIU NO NP

Governo dá aumento de merda na poupança e até orgia é tabelada

Jorge Araújo - 6.mar.1986/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 06-03-1986: Funcionários do supermercado Santa Luzia, na alameda Lorena, remarcam preços, de acordo com o Plano Cruzado, lançado em 1º de março de 1986. (Foto: Jorge Araújo/Folhapress)
Funcionários do supermercado Santa Luzia, na alameda Lorena, remarcam preços, de acordo com o Plano Cruzado

Entre a primeira administração do presidente Getúlio Vargas (1930-1934) e o final da gestão de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o Brasil conheceu mais de uma dezena de planos econômicos. Sob tempos de incertezas, o país conviveu com inflação, dívida externa e várias crises. Com o Plano Real a caminho de completar três décadas, o "Saiu no NP" de hoje relembra a cobertura do diário "Notícias Populares" sobre o Plano Cruzado e o Plano Collor, com destaque para algumas primeiras páginas.

Com linguagem direta, o jornal buscou entre os anos de 1986 e 1991, período entre os dois projetos, explicar para seus leitores os sucessivos pacotes econômicos.

O primeiro deles foi anunciado pelo "NP" no dia 28 de fevereiro de 1986. Após 21 anos de ditadura, a administração José Sarney (1985-1990) herdara um país cuja dívida externa passava de US$ 100 bilhões.

O "Notícias Populares" destacou na primeira página a nova estratégia do Executivo federal, o Plano Cruzado, com a seguinte manchete: "Lá se vai o seu pobre dinheirinho: governo fecha bancos e muda o nome do Cruzeiro".

Jorge Araújo - 6.mar.1986/Folhapress
Funcionários do supermercado Santa Luzia, em São Paulo, remarcam preços, de acordo com o Plano Cruzado, lançado em 1º de março de 1986
Funcionários do supermercado Santa Luzia, em São Paulo, remarcam preços, de acordo com o Plano Cruzado, lançado em 1º de março de 1986

Na edição de nascimento do cruzado, o jornal esmiuçou as principais ações governamentais e seus desdobramentos. Editado por meio do decreto-lei nº 2.283, o projeto vinha para colocar fim à onda inflacionária que assolava o país –em janeiro e fevereiro de 1986 a taxa anual de inflação andava na marca dos 517%. Entre as medidas, foram instituídos o congelamento dos preços, o reajuste dos salários de acordo com o custo de vida e a substituição da moeda corrente, o cruzeiro, pelo cruzado.

Apesar da promulgação do pacote, o Brasil ainda sofria com a alta dos preços. No comércio, o congelamento das tarifas provocava a falta de gêneros alimentícios. Atento, o "NP" revelou no dia 10 de março de 1986 que "faltava comida nas prateleiras". Na capa, fotografias tiradas pela equipe de reportagem exibiam gôndolas vazias e donas de casa em busca de bens, que eram retirados do mercado por comerciantes prejudicados com a obrigatoriedade do tabelamento. Em outubro, oito meses depois do anúncio, o jornal mostrou que a situação continuava complicada, com a alta das tarifas como a grande vilã. No dia 25 desse mês, com a manchete "Só Sunab não vê a tabela da vergonha", o "NP" publicou com exclusividade o "mercado negro do ágio no Ceasa".

O país também enfrentava as baixas reservas internacionais que, antes do Plano Cruzado, estavam próximas de US$ 10 bilhões. Um ano depois, elas não passavam de US$ 5 bilhões. E a balança comercial brasileira, após a taxa de câmbio provocar uma diminuição nas exportações e o aumento das importações, amargou um deficit de US$ 79 milhões em fevereiro de 86.

O aumento da inflação ameaçava o sucesso do projeto, e o país, já em meados de 1987, via seus índices inflacionários atingirem 337%. Apesar dos protestos do comércio, a União mantinha a política econômica. Em "Orgia tabelada nas casas de massagens: a pouca-vergonha ultrapassou os limites", o jornal revelou até o congelamento em casas de recreação adulta. No destaque, o "NP" publicou até os preços da diversão. Para uma suruba de 40 minutos, 150 cruzados; para de uma hora, 280 cruzados...

Com os preços altos, a defasagem salarial e o aumento dos gastos governamentais, que representavam 8,2% do PIB em 1990, o cenário era incerto.

A iminência do fim do governo Sarney e a possibilidade de novas eleições abriram nova rodada de expectativas. Com um discurso de moralização política e a promessa de sanear as contas do Estado, o candidato Fernando Collor de Mello chegou ao poder no dia 15 de março de 1990. O Plano Brasil Novo, cujo principal objetivo era a redução do deficit público e a eliminação da inflação, foi anunciado logo no dia seguinte à posse.

A primeira capa após a vitória de Collor anunciou: "Te cuida, tubarão: congelamento!". A edição fazia menção à tentativa da Presidência em solapar a inflação via congelamento dos preços. Logo nas edições seguintes à inauguração do plano, o "Notícias Populares" publicou outras medidas do governo, como o confisco da poupança. Referindo-se ao dinheiro confiscado, a capa do dia 17/03/1990 alertava: "Quem tem se ferrou só pode tirar 50.000 da poupança". A necessidade do pagamento da dívida pública e a diminuição da liquidez no mercado provocaram reações nos correntistas, que foram proibidos de acessar suas próprias finanças. Ainda sobre a poupança e sem economizar críticas ao governo, o "NP" mostrou no dia 18/05/1990 o "Aumento de merda na poupança", expondo que o governo "meteu a mão" nas cadernetas.

Antônio Gaudério - 16.mar.1990/Folhapress
Pessoas assistem pela TV o anúncio das medidas econômicas do Plano Collor, em São Paulo
Pessoas assistem pela TV o anúncio das medidas econômicas do Plano Collor, em São Paulo

Capas dedicadas à "caça aos marajás" também foram impressas. Mas, enquanto a "turma da bufunfa se ferrou com o sequestro da grana", os mais pobres é que sofriam com a recessão da economia, devido à pressão inflacionária sobre os assalariados de baixa renda.

Em 31 de janeiro de 1991, o governo lançou o Plano Collor 2, que desindexou a economia, reduziu os juros e cancelou temporariamente o congelamento de preços visando a retomada do crescimento. Com tantos pacotes, o "NP" foi direto ao esclarecer aos seus leitores as novas regras do jogo econômico, com medidas de austeridade salarial contra o trabalhador: "Sem vaselina".

Além disso, a insatisfação de inúmeros setores sociais com a administração federal recrudescia. A pressão sobre o governo só aumentou quando o mesmo foi acusado de corrupção em maio de 92. Frente à gravidade das denúncias, a Câmara abriu uma CPI, que culminou no impeachment do presidente.

Nos últimos 80 anos, o Brasil obteve ao todo 15 planos de recuperação econômica. Após o fracasso dos planos Cruzado e Collor, o Plano Real entrou em vigência no dia 1º de julho de 1994, idealizado por Fernando Henrique Cardoso, que, depois, foi eleito presidente (1994-1998) e consolidou o plano.


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