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Rixa política nos anos 40 leva cartunista a criar 'Zé Marmiteiro'

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Zé Marmiteiro, personagem criado por Nelo Lorenzon. (Foto: Folhapress)
Zé Marmiteiro, personagem criado por José Nelo Lorenzon

Entre a década de 1940 e 1960, ele figurou nas primeiras páginas do jornal "Folha da Noite", com jeitão de operário, macacão com remendos, ferramenta no bolso e a inseparável marmita nas mãos. Seu nome? Zé Marmiteiro, personagem criado pelo caricaturista José Nelo Lorenzon –que foi contratado, em 1948, por Nabantino Ramos, diretor das Folhas considerado um defensor do pluralismo e modernizador da imprensa de São Paulo.

Com humor e ironia, as críticas de Nelo Lorenzon orbitavam entre legendas e imagens. Zé Marmiteiro, ícone da produção do caricaturista, estabelecia vínculo com as classes populares em meio ao processo de industrialização brasileiro, questionando o poder público, mirando o discurso populista e os problemas urbanos. Ao lançar mão do recurso da policromia, as charges produzidas por Nelo Lorenzon foram as primeiras a serem coloridas na "Folha da Noite".

O general, o brigadeiro, o empresário e a invenção do Marmiteiro

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Folha da Noite -- 19/03/1948

Publicado na Folha da Noite pela primeira vez no dia 23 de março de 1948, Zé Marmiteiro teve sua origem ligada aos fatos polêmicos que se desenvolveram na eleição presidencial de 1945.

No final da década de 1940, o Brasil passava drásticas mudanças políticas e sociais. Após a derrota dos queremistas, a deposição de Getúlio Vargas, em 1945, e o fim do Estado Novo, o general Eurico Gaspar Dutra, que era ministro da Guerra no governo de Vargas, candidatou-se à Presidência pelo PSD (Partido Social Democrático). Já a oposição na época, representada pela UDN (União Democrática Nacional), apostou no brigadeiro Eduardo Gomes.

Em plena campanha no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o brigadeiro Eduardo Gomes, ao falar sobre o apoio de Vargas ao general Dutra, declarou não querer os votos da "malta de desocupados que frequentavam os comícios de Getúlio Vargas".

Hugo Borghi, empresário, deputado e proprietário de emissoras de rádio que foi um dos principais líderes do Queremismo (movimento que pregava a permanência de Getúlio na Presidência), apoiava a candidatura do candidato do PSD (Partido Social Democrático), numa jogada de mestre, afirmou que "malta" se referia aos grupos de operários que percorrem as linhas férreas levando suas marmitas". De acordo com o empresário, Eduardo Gomes atacava os marmiteiros, a classe menos favorecida.

Por meio de suas emissoras, Hugo Borghi divulgou o dito sinônimo da palavra malta, provocando a indignação de todo o país e minando as ambições do brigadeiro Eduardo Gomes.

No mesmo ano, o candidato do PSD (Partido Social Democrático), com apoio de Vargas, foi eleito presidente da República com considerável vantagem de votos. Eurico Gaspar Dutra assumiu o governo em janeiro de 1946.

Por dentro dos fatos, Nelo Lorenzon adotou o nome Zé Marmiteiro, que, antes de ser publicado na "Folha da Noite", estreou no "Jornal de S.Paulo". Ao contrário do empresário Hugo Borghi, o personagem entrou na memória do brasileiro como um aliado do povo que explicava de maneira simples as questões relacionadas ao seu cotidiano.

O AUTOR

Nascido em 1909, na cidade de Ribeirão Preto (SP), José Nelo Lorenzon concluiu curso na Faculdade de Direito do largo São Francisco em 1932. Lorenzon atuou nas revistas "Acadêmica", "XI de Agosto", "Problemas" e "Roteiro" e suas ilustrações foram utilizadas no jornal da comunidade de Ribeirão Preto, "Terra Vermelha", no período de 1932 a 1937.

Caricaturista, advogado e professor, Nelo Lorenzon publicou suas charges no "Jornal de S.Paulo", "Diário da Noite". Nas Folhas, o caricaturista trabalhou até 1963. Lorenzon morreu em 7 de abril do mesmo ano, vitimado por um infarto do miocárdio.


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